Nos últimos anos, a mineração, uma das atividades industriais mais representativas no cenário econômico brasileiro, se viu diante de uma profunda crise de imagem. E os eventos que aceleraram as reflexões sobre os princípios dessa atividade se abateram tragicamente sobre o Estado, que admite em seu nome obter uma das maiores reservas minerais do país. Por duas vezes, em um intervalo de apenas quatro anos, imagens de Minas Gerais rodaram o mundo, mostrando cidades, rios e pessoas debaixo de milhões de litros de rejeitos de minério de ferro vazados de barragens da Samarco, em Mariana (2015), e da Vale, em Brumadinho (2019). Desde então, uma pergunta paira sobre as 121 estruturas de represamento de rejeitos espalhadas por Minas: é possível que a mineração atue de forma sustentável?
Na era da transição energética, as buscas por fontes renováveis e as ações que permitem a utilização de rejeitos da extração mineral como subprodutos em outras indústrias jogam luz na discussão. Paralelamente, novos conceitos e princípios, termos e siglas, como ESG (Environmental, Social and Governance – Ambiental, Social e Governança), ganham espaço e ajudam a atualizar a conversa sobre formas menos problemáticas de atuação da mineração. O conceito ESG mostra o quanto um negócio está buscando maneiras de minimizar os seus impactos no meio ambiente, de construir um mundo mais justo e de manter os melhores processos de administração.
Na esteira das transformações pelas quais passam as atividades extrativistas, a academia desempenha papel fundamental. Para um dos coordenadores do Curso de Pós-graduação em Engenharia de Mineração a Céu Aberto da PUC Minas, Josias Eduardo Rossi Ladeira, a formação dos profissionais ligados à mineração que ganhou novos contornos e desafios, especialmente após os crimes ambientais que assolaram Mariana e Brumadinho. “Este contexto redefiniu as expectativas para os profissionais da indústria de mineração que, além de dominar aspectos técnicos, precisam gerenciar os riscos potenciais e atender às demandas das partes interessadas”, explica. O curso, criado após os eventos ocorridos no Estado, tem disciplinas que exploram aspectos técnicos e legais relativos à segurança das barragens de rejeitos e suas descaracterizações e gestão de riscos, por exemplo. Para o professor Leonardo de Freitas Leite, que também coordena o curso, o dinamismo observado nos últimos anos dentro do mercado de trabalho na área de mineração tem levado à exigência de profissionais com uma visão mais crítica e adaptativa. “Nossa missão é habilitar os alunos para que tenham a capacidade de oferecer soluções viáveis do ponto de vista técnico, econômico e ambiental a curto e longo prazo. A função da Universidade é equipar os profissionais não apenas com habilidades técnicas avançadas, mas também com uma mentalidade alinhada aos requisitos legais e às demandas éticas e sustentáveis da indústria”, pontua.
Meio ambiente como protagonista
Em vez de focar somente nas mineradoras, outro programa de especialização, também oferecido pela pós-graduação da PUC Minas, coloca as localidades em que as indústrias estão inseridas como o centro do planejamento e das tomadas de decisões. O Curso Desenvolvimento de Territórios com Mineração é ofertado desde 2020 e também surgiu, segundo a coordenadora, Profa. Dra. Paula Pessoa de Castro Gentil, a partir do desejo por mudanças no setor e pela demanda do mercado por profissionais mais engajados e conhecedores do entorno das estruturas de extração, das comunidades vizinhas e da relação estabelecida entre os dois. “A maior parte dos profissionais que procuram a especialização vem das áreas de trabalho de campo das empresas mineradoras e suas consultorias e assessorias. Muitos deles trabalham nos processos de reparação dos episódios de Mariana e Brumadinho, por exemplo. Outros vêm de organizações públicas e de organizações comunitárias ligadas ou que convivem em territórios com a presença da atividade extrativa. Ou ainda profissionais que pretendem se qualificar mais adequadamente para trabalhar em um desses setores”, conta.
Diante da complexidade em aproximar as comunidades e as necessidades do mercado de mineração, o diálogo entre diferentes áreas do conhecimento é proposto pelo corpo docente. Segundo a professora Paula, a intenção é promover a interação entre os debates em curso nas áreas de Ciências Exatas, Humanas, Sociais, Biológicas, da Saúde, Agrárias e Ambientais, com as percepções e posições de quem vive na prática a realidade dos territórios e suas interfaces com a mineração e sua cadeia produtiva.
A assistente social Lara Quintino, aluna do curso, é um exemplo de profissional que enxergou na pós-graduação a possibilidade de colocar em prática a mudança que sonha em ver na forma como as mineradoras se relacionam com o ambiente do entorno. Atuando como analista de relacionamento socioinstitucional em uma mineradora instalada em Mariana, ela conta como tem conseguido aplicar o conhecimento adquirido na especialização. “Diante do conflito entre o sonho de trabalhar em uma grande mineradora e o contexto social nem sempre positivo em que ela se encontra, entendi que eu poderia tentar mudar a realidade lá de dentro, tentando devolver a riqueza que é retirada do nosso solo aos territórios minerados. O processo de licenciamento, por exemplo, pode ser feito de forma mais participativa, com os atores das comunidades mais próximos, a fim de emponderá-los nas relações de troca com a empresa”.
O futuro da mineração é sustentável?
Segundo os últimos dados da Agência Nacional de Mineração (ANM), divulgados em fevereiro de 2024, o Brasil possui 88 barragens em situação de alerta ou de emergência declarada. Minas Gerais abriga 50 delas; três dessas estruturas estão no nível 3, o maior dentro da escala de risco do órgão. Elas ficam nos municípios de Barão de Cocais, Itatiaiuçu e Ouro Preto e pertencem à Vale e à ArcelorMittal
Os dados revelam um cenário desafiador, tanto para as empresas mineradoras quanto para o poder público. Desde 2022, um dos símbolos de Belo Horizonte tem sido alvo de uma batalha judicial, que envolve pelo menos duas empresas de mineração – a Tamisa e a Empabra –, o governo de Minas Gerais e a prefeitura da capital, além de entidades da sociedade civil. Em disputa está mais uma porção das já tão exploradas reservas minerais que se escodem sob a Serra do Curral. Já na Região Norte do país, os problemas são vários, e envolvem principalmente a exploração ilegal em terras indígenas.
Para a Profa. Dra. Tânia Maria Ferreira de Souza, do Curso Desenvolvimento de Territórios com Mineração, para tentar prever o futuro, é preciso conhecer o passado.
Ela destaca a importância da disciplina que leciona, de História da mineração no Brasil. “É fundamental que o aluno reconstitua a história do setor extrativo mineral, desde o Brasil colonial até o Brasil contemporâneo, para que possa não somente fazer um diagnóstico correto do setor e da atividade, mas propor soluções que possam mitigar suas mazelas e buscar um equilíbrio no âmbito da governança local dos territórios minerados e que viabilize o enfrentamento de seus maiores desafios”, enfatiza.
O tamanho do setor na economia
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), o faturamento do setor em 2023 alcançou R$ 248 bilhões. Na última década, a contribuição para a economia nacional oscilou entre 2% e 4% do PIB. Minas Gerais, que atualmente é o líder em produção de minério de ferro, responde por 41,7% do total faturado, tendo somado o valor de R$ 103,6 bilhões. Junto com Pará, o Estado foi o que mais recebeu recursos compensatórios pela exploração mineral (R$ 39 milhões). Ainda de acordo com o Ibram, Minas aparece em primeiro lugar na lista de investimentos na área até 2028: até lá, deverão ser injetados US$ 17,23 bilhões em projetos socioambientais, de logística e de minerais críticos.
SAIBA MAIS
Outros cursos ofertados pelo Instituto de Educação Continuada (IEC) na área da mineração: Direito Ambiental e Minerário, Engenharia Geotécnica (M. Eng.), Engenharia Mineral e Metalúrgica, Mineração e Meio Ambiente, Engenharia de Barragens (M. Eng.), Estudos de Impacto e Licenciamento Ambiental, entre outros. No site da Universidade é possível conhecer a lista completa e o programa dos cursos.