Apoio às vítimas de Brumadinho

Projeto Paraopeba atua para apoio à efetivação de direitos da população atingida por rompimento de barragem de mineração
O rompimento da barragem de rejeitos de mineração da Vale alterou ecossistemas e modos de vida de comunidades indígenas e quilombolas | Foto: Raphael Calixto
O rompimento da barragem de rejeitos de mineração da Vale alterou ecossistemas e modos de vida de comunidades indígenas e quilombolas | Foto: Raphael Calixto

Quanto vale a vida? Essa frase tem sido marcante nos manifestos cotidianos, sobretudo em terras mineiras, desde que o mundo assistiu à tragédia de 25 de janeiro de 2019, na cidade de Brumadinho. O rompimento da barragem da mineradora Vale S.A., que dizimou 272 vidas, com seis ainda desaparecidas, acirrou os debates a respeito da ação das mineradoras no meio ambiente. O mar de lama que assolou grande área de Brumadinho, com pelo menos 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro, se espalhou pela bacia do Rio Paraopeba e região do Lago de Três Marias, atingindo 26 munícipios em diversas dimensões. A concentração de metais pesados na água destruiu a vida aquática, alterou drasticamente ecossistemas e modos de vida de comunidades quilombolas e indígenas e inviabilizou práticas de subsistência, como a pesca e a agropecuária.

Volta e meia, diversos municípios da região central do Estado sofrem com o desabastecimento de água potável. Segundo a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), em 2021, bairros de Belo Horizonte e os municípios de Contagem, Ibirité, Betim, Igarapé, Itatiaiuçu, Mário Campos, São Joaquim de Bicas e Sarzedo sofreram com interrupções periódicas em função de problemas de captação de água. O sistema de produção da Bacia do Paraopeba, que antes do rompimento da barragem respondia por 52% do volume total de fornecimento de água, atualmente está paralisado. Hoje, as cidades contam com a água que é captada dos reservatórios de Rio Manso e Vargem das Flores.

A PUC Minas, por meio da extensão universitária e pela sua trajetória de participação em questões de fundamental relevância para a sociedade, foi convidada a acompanhar os trabalhos de auxílio e reparação. Atendendo a pedido das instituições de Justiça (Ministério Público Federal, Ministério Público do Estado de Minas Gerais, Defensoria Pública da União e Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais), a Pró-Reitoria de Extensão assume a Coordenação de Acompanhamento Metodológico e Finalístico (Camf), com o objetivo de coordenar, monitorar e avaliar, metodologicamente, as atividades das Assessorias Técnicas Independentes (ATIs), contribuindo, assim, para a efetivação do direito das pessoas atingidas à reparação integral dos danos decorrentes do desastre.

Para a composição dos quadros da Camf foi criado, no âmbito da extensão, o Projeto Paraopeba, que tem como coordenadora-geral a professora Fernanda Simplício de Faria. Segundo ela, “as equipes do Projeto Paraopeba atuam em conjunto com as Assessorias Técnicas Independentes, em frentes distintas e inter-relacionadas, buscando a consistência metodológica necessária para dar visibilidade às demandas das populações atingidas, fazendo ecoar vozes silenciadas pela dor decorrente das perdas sofridas em consequência do rompimento da barragem da mineradora Vale S.A., em Brumadinho”.

As instituições de Justiça previram, no Termo de Compromisso firmado com as ATIs, a constituição da referida coordenação assumida pela PUC Minas. Foi neste mesmo documento que se firmou o compromisso de se constituir as três Assessorias Técnicas Independentes de modo a garantir a ampla participação das pessoas, comunidades e municípios atingidos, no processo de reparação integral dos danos.

Instituídas em fevereiro de 2020, as ATIs foram escolhidas pelas próprias comunidades para o assessoramento de todo o processo em favor dos atingidos e atingidas. As assessorias escolhidas – Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas), Núcleo de Assessorias às Comunidades Atingidas por Barragens (Nacab) e Instituto Guaicuy – atuam como mobilizadores sociais, com foco na participação informada das comunidades atingidas sobre cada etapa da reparação.

“O papel do Instituto Guaicuy como assessoria técnica é criar formas de diálogo e escuta com as comunidades e pessoas atingidas, com o objetivo de fazer frente à Vale, que muitas vezes não considera em todas as dimensões os danos sofridos”, explica a coordenadora-geral da Assessoria Técnica Independente (ATI) Instituto Guaicuy, Carla Wstane.

Luiz Ribas, coordenador-geral da Aedas, explica como funciona o trabalho da ATI. “O modelo de assessoria técnica é comunitário e participativo, massificando o processo de escuta para realização das matrizes de reconhecimento de danos, de compensação e de indenização. Essa matriz irá levantar os danos em categorias construídas coletivamente com as pessoas atingidas, atendendo a suas diferentes especificidades”, conta.

O coordenador-geral do Nacab, Flávio Bastos, destaca a importância da participação qualificada das pessoas atingidas. “As Assessorias Técnicas Independentes têm o papel de assessorar as pessoas e comunidades atingidas em informação e participação qualificadas no processo de reparação integral. Fazemos isso com o levantamento das perdas e danos, estudo dos valores a serem indenizados, a identificação das ações e projetos necessários à reparação integral e o acompanhamento da implantação das ações de reparação previstas no acordo entre o governo de Minas Gerais e a empresa Vale S.A.”, diz.

Marina Paula Oliveira, coordenadora de projetos da Renser e moradora de Brumadinho, diz que é muito relevante o papel da PUC no processo de articulação junto às instituições da área da Justiça, apontando os caminhos de reparação | Foto: Arquivo pessoal

Marcos importantes

Promover um diálogo permanente junto às Assessorias Técnicas Independentes, na busca pelas melhores técnicas e estratégias de levantamento de dados e fomento à participação popular, é a tônica das atividades de docentes, analistas e extensionistas da Camf. A coordenação contribuiu para promover ações importantes, como a realização do seminário Nós Falamos Quem Escuta? – Direitos Humanos e as Vítimas da Mineração, em dezembro de 2020; reuniões por meio de webinários sobre o Pacote de Resposta Rápida, na implantação de serviços públicos emergenciais em todas as comunidades impactadas, realizadas em abril de 2021, em parceria com as ATIs e as instituições de Justiça; o seminário Pesca na Bacia do Paraopeba e Lago de Três Marias, em julho de 2021 e a live Programa de Transferência de Renda, em outubro de 2021, além de eventos de consulta popular. Todas as gravações estão disponíveis na íntegra no canal do Projeto Paraopeba, no YouTube.

O trabalho que vem sendo desenvolvido pela Camf, por meio do Projeto Paraopeba, dialoga com movimentos sociais e organizações também envolvidos com a recuperação das áreas atingidas em Brumadinho e outros municípios ao longo da Bacia do Rio Paraopeba e Lago de Três Marias. A Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário (Renser), pertencente à Arquidiocese de Belo Horizonte, com sede em Brumadinho, desenvolve frentes de trabalho articuladas com as ATIs e a Camf, em favor da causa dos atingidos e atingidas.

“A atuação da Camf é muito importante porque ela colabora na articulação das Assessorias Técnicas Independentes que estão espalhadas pela Bacia do Paraopeba. Estamos falando de quase 30 municípios. Então, é muito importante que se faça uma articulação no sentido de alinhar as metodologias, os parâmetros, os critérios, especialmente porque a Vale não reconhece, desqualifica o lugar do atingido. Logo, muitas vezes, o que a gente fala não é reconhecido. Então, ter a PUC como uma instituição muito reconhecida, valorizada, que conhece os territórios, conhece os impactos que a gente vive, as violações de direito que a gente vive todos os dias, e que está colaborando no processo de articulação para mostrar às instituições de Justiça que o caminho da reparação está equivocado, é necessário”, diz Marina Paula Oliveira, coordenadora de projetos da Renser. Ela acredita que a visão universitária de todo o processo é fundamental, pois “é a ciência indo ao encontro do território, construindo um caminho, um mundo que seja compatível com as necessidades e demandas do território, e não uma ciência descolada da realidade.”

A professora Fernanda Simplício, coordenadora geral do Projeto Paraopeba, diz que ainda são muitos os desafios para atingir o objetivo da reparação integral dos danos causados à população atingida pelo rompimento da barragem de rejeitos de mineração | Foto: Raphael Calixto

Com o retorno das atividades presenciais na PUC Minas, que ficaram temporariamente suspensas em função da pandemia de Covid-19, o Projeto Paraopeba fixou a sua sede no Campus Coração Eucarístico, com escritório na Proex, dando prosseguimento ao acompanhamento das ATIs, tanto para a implementação dos anexos I.1, I.2, I.3 e I.4, do Acordo Judicial, como para as atividades decorrentes do Processo Judicial. Um dos principais exemplos da atuação das ATIs no último ano é em relação ao Programa de Transferência de Renda (PTR) para as pessoas atingidas, realizando o levantamento de critérios para o recebimento do benefício a partir de uma consulta popular com os atingidos e atingidas. Essa ação é operacionalizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e está em fase de execução.

“Ainda são muitos os desafios para atingir o objetivo da reparação integral dos danos e as equipes do Projeto Paraopeba seguem dispostas para desempenharem seu papel junto às ATIs, em cooperação com as instituições de Justiça. O engajamento da PUC Minas é ainda maior por se tratar de uma instituição compromissada com a formação ética e profissional de cidadãos, e também com a produção e disseminação de conhecimento que transforma”, conclui a professora Fernanda Simplício, coordenadora-geral do Projeto Paraopeba.

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