O ano de 2024 foi o mais quente já registrado na história da Terra. Pela primeira vez, a temperatura global ultrapassou o limite de 1,5°C, meta estabelecida no Acordo de Paris, em 2015, cujo objetivo é mitigar os impactos das mudanças climáticas. Como consequência, há a intensificação dos eventos extremos (veja quadro nesta reportagem). Nesse contexto alarmante, ocorrerá a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 30), programada para os dias 10 a 21 de novembro de 2025, em Belém, no Pará.
A escolha da Amazônia como sede da COP 30 é considerada estratégica e carregada de simbolismo pelo professor Samuel André Spellmann Cavalcanti de Farias, coordenador do Curso de especialização em Mudança Global do Clima da PUC Minas. “A Amazônia simboliza a urgência de ações concretas para preservar ecossistemas críticos, reforçando a importância do patrimônio humano, compartilhado, sugerindo um destino comum. Ela se tornará um epicentro prático para as discussões sobre as mudanças climáticas globais”, diz o professor Spellmann.
Ele enfatiza que a Amazônia desempenha um papel vital na regulação climática mundial, funcionando como um verdadeiro “pulmão do mundo”, armazenando 120 bilhões de toneladas de carbono e influenciando padrões hidrológicos em escala continental. Realizar a COP 30 na Amazônia também proporcionará aos líderes globais a oportunidade de vivenciar os desafios locais, como desmatamento, garimpo ilegal e conflitos fundiários, conectando os debates teóricos à realidade da capital paraense, que está cercada pela floresta, que é um dos vetores do desenvolvimento nacional.
A aproximação física com a Amazônia pode despertar um senso de urgência entre chefes de Estado, negociadores e grupos de interesse que estarão presentes na COP 30. Essa é a opinião da Profa. Dra. Mariana Balau Silveira, do Departamento de Relações Internacionais da PUC Minas. “Outro aspecto relevante é a possibilidade de uma grande participação e envolvimento das comunidades indígenas e dos povos tradicionais, tanto nos espaços formais de negociação quanto em eventos paralelos”, ressalta a professora Mariana. As vozes indígenas amazônicas são fundamentais para o debate sobre o clima, na opinião do doutorando Victor de Matos Nascimento, professor substituto no Curso de Relações Internacionais da PUC Minas, Campus Poços de Caldas. “Nas duas últimas COPs, em Dubai e em Baku, nunca se viu tantos delegados indígenas caminhando pelos pavilhões. A expectativa é que esse número aumente em Belém”, destaca o professor.
Como anfitrião, o Brasil pode assumir um papel central na promoção de um diálogo inclusivo e ambicioso na avaliação do professor da PUC Minas Dr. Thiago de Araújo Mendes. O plano teria que ser estruturado em três pilares principais. O primeiro é a aceleração da implementação de metas de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE), com ênfase na responsabilidade histórica dos países industrializados, com economias mais robustas. O segundo pilar envolve o fortalecimento de mecanismos de financiamento destinados a apoiar ações de mitigação e adaptação. Por fim, o terceiro se refere à integração de soluções que visem retirar CO² da atmosfera. Isso incluiria as emissões negativas por meio de processos de captura e armazenamento de CO² gerado na fabricação de energia renovável (RCCS), como a produção de etanol.
A conferência pode marcar o início de um movimento para que o Brasil resolva de vez uma antiga dualidade. Ao mesmo tempo que ocupa uma posição entre os 20 maiores emissores atuais de gases de efeito estufa, também se destaca como líder global em remoção de CO² da atmosfera e em energias renováveis, com uma matriz elétrica composta de 80% de fontes limpas. “Essa contradição pode ser explicada por fatores como o desmatamento, que responde por uma parcela significativa das emissões nacionais”, realça o professor Thiago Mendes.
A solução da dualidade, segundo o especialista, requer uma abordagem multifacetada composta por três ações fundamentais. A primeira delas se refere a intensificar os esforços para combater o desmatamento ilegal, especialmente na Amazônia, por meio de políticas públicas sólidas, fiscalização rigorosa, implantação plena do Código Florestal e monitoramento tecnológico. A segunda ação consiste em promover e estimular práticas agrícolas sustentáveis, com a integração de lavouras, pecuária e florestas, além da restauração de ecossistemas. A terceira prevê ampliar investimentos em reflorestamento e em energias renováveis, como biomassa e etanol.
Ao longo da história, os Estados Unidos têm sido os principais emissores de gases do efeito estufa, respondendo por cerca de 20% a 25% do dióxido de carbono liberado pela atmosfera desde 1950, mas a Casa Branca já anunciou que o país estará fora do Acordo de Paris e, consequentemente, da COP 30. “Sem dúvida, é uma ausência significativa da maior potência global. Isso pode enfraquecer a liderança estrutural nas negociações e levar outros países a adotarem o mesmo caminho, ou seja, ficarem ausentes da conferência”, opina a professora Mariana.
Ela ressalta que a saída dos EUA do Acordo de Paris se assemelha ao contexto de 2017, na COP 23, realizada em Bonn, na Alemanha. Naquela ocasião, lideranças do setor público (prefeitos, governadores, deputados) e do setor privado (universidades, empresas) dos EUA se comprometeram com as metas do Acordo de Paris, mesmo sem o engajamento em nível federal, no movimento que ficou conhecido como We are Still In, (em tradução literal: “Nós ainda estamos dentro”). “Acredito que haja potencial para fortalecimento do compromisso de atores subnacionais com as metas de redução de emissões, financiamento de políticas de adaptação e transferência de tecnologia”, pondera Mariana.
Com a declarada saída dos EUA, os atores globais que podem assumir o protagonismo nas discussões da COP 30 incluem a China, a União Europeia, a Índia e os países vizinhos ao Brasil, entre eles, o Peru e a Colômbia, que também são países amazônicos. Essa lista foi elencada pelo professor Samuel Spellmann, que também coordena o Curso MBA China Contemporânea da PUC Minas. Segundo ele, a China atualmente é o principal investidor em energias renováveis. “Diversos estudos indicam que a China pode ter alcançado sua meta de emissões em 2024, um feito esperado para 2030. Dessa forma, o país está adiantado em seis anos. Além disso, a China tem um especial interesse na evolução do mercado de carbono”, afirma o professor Samuel Spellmann. Entre as ações da China se encontram a redução significativa no preço de automóveis elétricos e de painéis solares.
A União Europeia, segundo ele, tem exercido pressão por metas mais rigorosas de emissões, e isso não deve ser ignorado durante o evento. A Índia tem combinado o seu padrão de crescimento econômico com um incentivo ao desenvolvimento de fontes limpas de energia, sobretudo painéis solares. E, por fim, os países amazônicos vizinhos Peru e Colômbia destacam-se na proteção e preservação da floresta, com projetos como o de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Ambiental (REDD++).
O grande legado da COP 30 para o Brasil pode ser a consolidação do país como protagonista nas negociações climáticas globais. “Isso será possível com o fortalecimento da imagem internacional e a promoção de políticas públicas mais ambiciosas. Uma das heranças mais importantes pode ser a captação de investimentos em setores estratégicos, como bioeconomia, reflorestamento e geração de energia, diminuindo a dependência de fontes fósseis”, afirma o Prof. Dr. Henrique Paprocki, coordenador do Museu de Ciências Naturais da PUC Minas.
Ele menciona que estudos mostram que a bioeconomia amazônica, mantendo a “floresta em pé”, poderia gerar um valor de mercado superior a US$ 300 bilhões anualmente se desenvolvida de forma sustentável. Isso criaria oportunidades de emprego e renda para as comunidades locais, sem comprometer os serviços ecossistêmicos. “Para que isso aconteça, é fundamental ampliar os investimentos em pesquisa, inovação e infraestrutura, assegurando que esses produtos consigam competir globalmente com commodities tradicionais”, explica Paprocki. A bioeconomia da “floresta em pé”possui enorme potencial para cadeias produtivas sustentáveis, gerando produtos que abasteçam indústrias de alta tecnologia, farmacêutica, cosmética e gastronômica. Na opinião dele, a COP 30 pode impulsionar a elaboração de marcos regulatórios mais eficazes para a conservação ambiental e estimular o desenvolvimento de cadeias produtivas sustentáveis, em harmonia com o Acordo de Paris e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs).
A COP 30 representa uma grande oportunidade para o Brasil demonstrar uma liderança mundial na transição energética, com o compromisso com as metas de redução de GEE propostas desde o Acordo de Paris na opinião do Prof. Dr. Tércio Ambrizzi. “Devemos apoiar fortemente a meta de desmatamento zero, a transição energética e a preservação do meio ambiente”, elenca o diretor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (USP).
A PUC Minas ofereceu em outubro de 2024 o curso de especialização intitulado Mudança Global do Clima: instrumentos de gestão, política e economia. Essa iniciativa recebeu apoio financeiro da Santa Sé, do Vaticano, que disponibilizou 12 bolsas integrais destinadas a representantes dos Ministérios das Relações Exteriores e dos Povos Indígenas. A Universidade ainda ofereceu bolsas de 40% para demais alunos. O curso, com previsão de término antes da COP 30, visa formar diplomatas e negociadores que representarão o Brasil durante o evento. Assim, a formação faz parte da preparação das equipes que auxiliarão o governo federal na organização do evento. A aula inaugural contou com a participação on-line do embaixador do Brasil no Vaticano, Everton Braga, e do presidente da COP 30, André Corrêa do Lago.
O curso tem como meta fornecer uma formação abrangente sobre a mudança global do clima, abordando aspectos econômicos, políticos e científicos, a fim de capacitar futuros especialistas para enfrentar os desafios climáticos em diversas áreas, incluindo a academia e o setor público. “A COP 30 se torna uma oportunidade ímpar para o Brasil se manter como um ator relevante nas discussões internacionais e apresentar as bases técnicas necessárias para que futuros especialistas contribuam para um ‘ponto de virada’ na busca por soluções concretas e inovadoras em face de uma crise do aquecimento global junto a outras nações”, diz um dos coordenadores do curso, professor Thiago Mendes. “A COP 30 não marca o fim de um processo, mas, sim, um momento decisivo para traçar caminhos que assegurem um futuro sustentável para as próximas gerações”, complementa o outro coordenador do curso, o Prof. Dr. José Domingos Gonzalez Miguez.

EVENTOS EXTREMOS NO BRASIL E NO MUNDO EM 2024
ABRIL
A TRAGÉDIA DO RIO GRANDE DO SUL
A calamidade, marcada por chuvas intensas, enchentes e enxurradas, impactou 478 dos 497 municípios do Estado gaúcho, afetando 2,4 milhões de pessoas e resultando na morte de 187 habitantes, além de deixar 27 desaparecidos.
OUTUBRO
OS FURACÕES HELENE E MILTON
As tempestades, com ventos que alcançaram 220 km/h, causaram a morte de 239 pessoas, nos Estados da Carolina do Norte, Carolina do Sul, Flórida, Geórgia, Tennessee e Virgínia nos EUA.
ENCHENTES NA ESPANHA
As inundações na região de Valência resultaram em 205 mortes e deixaram 89 pessoas desaparecidas. As tempestades também provocaram a morte de 7 pessoas na região vizinha de Castela-Mancha, além de uma morte em Andaluzia. Em apenas oito horas, ocorreu um volume de chuva equivalente ao que normalmente se espera em um ano.
INUNDAÇÃO EM CHADE, ÁFRICA
Chuvas intensas levaram à morte de 145 pessoas em Chade, país localizado no centro-norte da África. Os alagamentos afetaram mais de 1 milhão de habitantes em 18 das 23 províncias do país.
INCÊNDIOS NA AMAZÔNIA, NO CERRADO E NO PANTANAL
Nos primeiros dez meses do ano, os focos de incêndio no Pantanal aumentaram em impressionantes 600%.
SECA NO RIO SOLIMÕES
O rio Solimões passou por uma seca histórica que impactou 62 municípios do Amazonas. A longa estiagem dificultou atividades como pesca e transporte e comprometeu o acesso à água potável.
Fontes: Portais G1, Uol, Brasil Escola, Wikipédia, Jornal o Globo e site do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.

DEZ PONTOS PRINCIPAIS DA PRIMEIRA CARTA DE INTENÇÕES DA COP 30
(Divulgada em 10 de março de 2025 pelo presidente da COP 30, embaixador André Aranha Corrêa do Lago)
- A COP 30 será realizada em meio a um marco histórico: 20 anos de Protocolo do Kyoto e 10 anos do Acordo de Paris.
- O presidente da COP 30 conclamou para que haja um mutirão global contra as mudanças do clima.
- Durante a COP 30, as negociações do Acordo de Paris serão retomadas, definindo objetivos de longo prazo relativos a temperatura, resiliência e fluxos financeiros.
- O Balanço do Acordo de Paris (GST, na sigla em inglês), negociado durante a COP 28, em 2023, em Dubai, nos Emirados Árabes, servirá como guia para reversão do desmatamento até 2030 e aceleração da transição energética mundial.
- A Presidência da COP 30 planeja trabalhar em parceria com a presidência da COP 29, realizada em 2024, em Baku, no Azerbaijão, para implementar o Mapa de Baku a Belém, que prevê o aumento do financiamento às Partes, que são países em desenvolvimento, para, pelo menos, 1,3 trilhão de dólares até 2035.
- Será criado o Círculo de Presidências, com participação das presidências da COP 21 à COP 29, visando ao aconselhamento sobre o processo político e implementação de ações contra as mudanças climáticas.
- Na COP 30 será realizado um Balanço Ético Global (Global Ethical Stocktake, GES) para ouvir um grupo geograficamente diverso composto por pensadores, cientistas, políticos, líderes religiosos, artistas, filósofos e povos e comunidades tradicionais, entre outros, sobre compromissos e práticas éticas no enfrentamento de mudanças em todos os níveis.
- A reunião na Amazônia brasileira deverá estimular debates em que os cientistas poderão reavaliar a contribuição fundamental das pessoas na preservação de florestas. Uma janela de oportunidade para reverter o desmatamento e fazer remoções maciças de gases de efeito estufa da atmosfera.
- A COP 30 vai intensificar as reivindicações para que os líderes nacionais cumpram seu compromisso de limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C.
- A Presidência da COP 30 está determinada a servir como uma plataforma de organização e mobilização coletiva, ou seja, um veículo para um mutirão global contra a mudança do clima. O objetivo é puxar as alavancas e mover o mundo em prol dessa causa.