Da reflexão à ação

Curricularização da disciplina de Filosofia permite aproximação dialógica dos territórios com a expertise acadêmica
O estudante Paulo de Tarso participou das atividades na comunidade | Foto: Guilherme Simões
O estudante Paulo de Tarso participou das atividades na comunidade | Foto: Guilherme Simões

Uma iniciativa piloto possibilitou que uma disciplina essencialmente teórica e reflexiva, como a de Filosofia: Antropologia e Ética, ganhasse contornos sociais e práticos com a inserção de ações de extensão em suas atividades. É o chamado Programa de Curricularização da Disciplina Institucional de Filosofia, que teve início no segundo semestre de 2024 e envolveu alunos do segundo período do Curso de Direito dos campi Coração Eucarístico e São Gabriel. O programa vem buscando integrar de forma efetiva o conhecimento teórico e as experiências práticas no ambiente acadêmico.

A extensão universitária é a atividade-fim que, integrada ao ensino e à pesquisa, abre portas para o protagonismo estudantil junto a diversas comunidades. Com a curricularização, a extensão se faz presente não só em programas, projetos, cursos, oficinas, eventos e prestação de serviços, mas também dentro dos conteúdos de disciplinas específicas dos cursos.

Com a curricularização, a Extensão se faz presente não só em programas, projetos, oficinas, eventos e prestação de serviços, mas também dentro dos conteúdos de disciplinas específicas dos cursos. A Pró-Reitoria de Extensão (Proex), como mecanismo de fortalecimento do trabalho em rede, estruturou-se de forma a conectar a realidade local aos campi e áreas do conhecimento a partir dos departamentos, institutos e faculdades, o que vem permitindo uma aproximação dialógica contínua entre as demandas, desafios e potencialidades dos territórios com a expertise acadêmica.

“Um dos principais eixos do Programa de Curricularização da Extensão Universitária é a conexão dos estudantes com demandas reais, exigindo uma ampla articulação com diversas áreas do conhecimento. Os estudantes têm a oportunidade de vivenciar uma formação mais ampla e aplicada, alinhada aos desafios e necessidades da sociedade”, afirma o Prof. Dr. André Luís Gonçalves, coordenador da Redex, a Rede PUC Minas de Extensão Universitária. A Redex é o novo setor da Proex responsável pela articulação, relacionamento e parcerias dos campos de extensão. A partir deste semestre, fará a gestão da segunda etapa da Curricularização da Extensão que antes estava a cargo do Laboratório de Extensão, Práticas, Pesquisas, Publicações Acadêmicas e Internacionalização (Lepppai), coordenado pelo Prof. Dr. Robson Figueiredo Brito.

O projeto piloto de Curricularização da Extensão no Curso de Direito teve atividades alinhadas ao plano de ensino, além de estabelecer um diálogo com a disciplina de Direitos Humanos e Fundamentais. “Mais do que qualificar futuros profissionais, a proposta buscou formar cidadãos comprometidos com a transformação social e o desenvolvimento humano integral, trabalhando a Cultura do Encontro, como nos convida o Papa Francisco”, explica o professor André. Para ele, essa abordagem amplia a visão dos estudantes, permitindo uma compreensão mais holística das questões éticas, filosóficas e religiosas. A Cultura do Encontro, nas palavras do próprio Papa, “derruba os muros que dividem as pessoas e as mantêm prisioneiras do preconceito, da exclusão ou da indiferença.”

De acordo com o professor Edmar Avelar de Sena, da disciplina de Filosofia: Antropologia e Ética, o Papa Francisco foi o “grande orientador” e motivador desse trabalho extensionista, com seus ensinamentos, escritos e exemplaridade. “Em harmonia com a missão da PUC Minas e com seu objetivo da formação humanística, essa disciplina foi um momento especial para que, a partir especificamente da Carta Encíclica Laudato Si, realizássemos encontros de maneira alegre, leve e com muita emoção”, diz. As atividades foram realizadas em espaços de campo como a Casa das Poesias, na Vila Andiroba (bairro São Paulo), região Nordeste de Belo Horizonte; na Vila dos Marmiteiros, (bairro Padre Eustáquio), região Noroeste da capital e duas escolas estaduais, Paulo Diniz Chagas e Odilon Behrens.

De acordo com ele, por meio de metodologias ativas – estratégia de ensino que coloca o aluno no centro do processo de aprendizagem – foram realizadas atividades como aplicação de questionários e visitas a domicílios, com o objetivo de fazer um diagnóstico sobre os desafios sociais enfrentados pelas comunidades, a fim de melhor captar as demandas. Também foram realizadas rodas de conversa e arrecadação de donativos, esta última em diálogo com a Pastoral Universitária.

No começo do semestre, quando a disciplina teve início, o professor afirma que houve um estranhamento por parte dos alunos, que não tinham conhecimento desse viés extensionista. “Depois eles compreenderam a proposta. Afinal, foi um projeto piloto e, portanto, a primeira vez que esse trabalho se deu dentro dos conteúdos da disciplina”, observa. “Essa experiência propiciou o exercício da cidadania, estimulou a sensibilidade social e humana, possibilitou aprendizados e colocou em prática a ética do cuidado, o cuidado com o outro, com o planeta, com a natureza e com os mais vulneráveis”, avalia.

O estudante Paulo de Tarso Castanheira Neto, atualmente no terceiro período do Curso de Direito do Campus Coração Eucarístico, foi um dos alunos da disciplina de Filosofia. Ele conta que não tinha expectativas quanto ao conteúdo, mas que aos poucos, com a didática do professor e a apresentação da proposta, foi se convencendo e tomando gosto. “Esse projeto é muito bom para as crianças, nos faz pensar o quão necessário é o estudo, é o aprender, é a convivência das crianças em si, o brincar. Esse projeto trouxe muito isso para a gente, foi muito bacana”.

Ágatha Silva e a mãe, Tainara, são beneficiadas pelas ações extensionistas na Casa das Poesias | Foto: Nathália Farnetti

Aplicação da Cultura do Encontro

Fundadora e gestora da Casa das Poesias, Lisiane Aguiar Henrique explica que foi durante a sua participação nas oficinas promovidas pelo Scholas Occurrentes na PUC Minas, no início de 2024, que surgiu a ideia de utilizar o espaço do projeto para a realização de atividades extensionistas, a fim de propiciar a aplicação da Cultura do Encontro apreendida na ocasião. Na oportunidade, ela participou das atividades como representante da sociedade civil. Fundada em Buenos Aires pelo então arcebispo Jorge Mario Bergoglio, o falecido Papa Francisco, o Scholas utiliza a educação para promover mudanças sociais.

“A Casa das Poesias teria o potencial de vir ao encontro daqueles eixos e das questões sociais que foram suscitadas [durante os encontros]”, afirma Lisiane, que é graduada em Direito e possui mestrado em Direitos Humanos e Direito Ambiental. Segundo ela, a possibilidade de desenvolver ações extensionistas no local poderia proporcionar uma experiência transformadora aos estudantes, o que os marcaria tanto como seres humanos quanto como profissionais.

No espaço físico, frequentado por crianças e adolescentes da comunidade, busca-se fazer poesia para além da elaboração de poemas propriamente ditos. “A Casa surgiu para atender os moradores, tudo a partir da matéria prima que se tem ao alcance: voz, resíduos, papel, corpo, descartes e a boa vontade. E com isso levar essas pessoas marginalizadas a fazerem ‘poesia sustentável’ e incutir-lhes autoestima”, diz. Na comunidade residem cerca de 300 famílias, parte delas instalada debaixo de um viaduto no bairro São Gabriel, em situação de extrema pobreza. “Não era incomum andarmos nos becos e pessoas nos dizerem que ‘a PUC é muito bem-vinda aqui’”, conta.

O projeto funciona há cinco anos, de forma ininterrupta, e sobrevive apenas de doações e trabalho voluntário. Oferece aulas de capoeira, estilismo, teatro, robótica, balé, inglês, música e cidadania.

Ágatha Hadassa de Araújo Silva, 10 anos, foi uma das crianças beneficiadas pelas ações extensionista na Casa das Poesias. Dentre as muitas atividades das quais participou, ela destaca uma oficina sobre o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), dizendo que foi “muito legal e interessante”, e que aprendeu bastante. “Eles são muito legais, gentis e as atividades foram feitas com criatividade”, diz a menina, em referência aos alunos da PUC Minas. Sua mãe, a técnica de Enfermagem Tainara Conceição Silva de Araújo, considerou que as oficinas e demais atividades foram positivas para a filha, em especial a sobre o ECA. “Ela chegou contando tudo sobre. Foi bom para ela saber das leis sobre os Estatuto da Criança e do Adolescente”, afirma.

Entenda o que é a Curricularização da Extensão

A Resolução nº 7 do Conselho Nacional de Educação (CNE), de 2018, estabelece as diretrizes para a extensão universitária e determina que ela deve compor, no mínimo, 10% do total da carga horária curricular estudantil dos cursos de graduação, tornando-se parte da matriz curricular dos cursos. A norma entrou em vigor em 2023.

Em 2015, a PUC Minas já iniciava seu processo formal de curricularização da extensão. Desde 2018, todos os cursos da Universidade possuem disciplinas com atividades extensionistas, que vêm ocorrendo de forma articulada a programas, projetos, eventos, cursos e oficinas e prestação de serviços.

O Programa de Curricularização da Disciplina Institucional de Filosofia, iniciado em 2024, busca ampliar o alcance da extensão na vida do estudante, preparando os para os desafios contemporâneos de forma consciente e sustentável, em consonância com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) da Agenda 2030.