Na água, substância composta presente em todos os seres vivos do planeta e formada por dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio, detém um potencial pouco conhecido pela maioria das pessoas: ela também pode dar origem a uma forma de combustível – o hidrogênio verde.
Produzido na passagem de uma corrente elétrica em uma solução aquosa, na reação de separação da molécula H²O chamada de eletrólise, em usinas de fontes de energia renováveis como a eólica e a solar, o hidrogênio verde (H²V) pode ainda ser matéria-prima para setores como a indústria farmacêutica, a produção metalúrgica. Além disso, um dos seus subprodutos, a amônia verde, pode ser utilizada também no agronegócio como fertilizante.
O Grupo de Estudos em Energia (Green) da PUC Minas, com atuação consolidada na área da Energia Solar Térmica e acreditação do Inmetro, atento à urgente necessidade de descarbonização da economia mundial, ou seja, da corrida contra o tempo para a redução da dependência econômica em combustíveis fósseis, principais causadores do efeito estufa, desenvolve, desde novembro de 2023, o projeto de pesquisa Avaliação teórica e experimental do potencial de geração de amônia e hidrogênio verde a partir de energia solar fotovoltaica em Minas Gerais.
“A nossa proposta é um estudo experimental e teórico do potencial de geração de vetores químicos verdes de energia, o hidrogênio e a amônia, a partir do uso de energia solar fotovoltaica nas condições de irradiação solar encontradas em Minas Gerais”, explica a coordenadora do Green e docente do Instituto Politécnico (Ipuc), Profa. Dra. Rosely Campos. A professora também reforça a relevância da iniciativa que visa contornar a intermitência da disponibilidade da luz do Sol, aprimorando meios que permitam o armazenamento da energia gerada para utilização nos períodos de baixa incidência solar.
A planta, que será composta por uma instalação de sistema fotovoltaico, o gerador de hidrogênio e um reator para produção de amônia, está em construção no Campus Coração Eucarístico, nas dependências do Green. O grupo do projeto de pesquisa, também composto pelos professores doutores Cristiana Brasil Maia, Marcela Rabello Menezes Vilela, Pedro Paiva Brito, Antônia Sônia Alves Cardoso Diniz, Fernando Basílio Félix e o professor Leonardo Mitre, já tem à disposição um eletrolisador (gerador) de hidrogênio de origem francesa com capacidade de geração de 330 cm³ por minuto de gás hidrogênio (H²) de alta pureza, principal equipamento da pesquisa, adquirido a partir de investimento de recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig).
Segundo o professor Pedro Paiva, coordenador da pesquisa, existem várias tecnologias que permitem o armazenamento da energia gerada, como baterias, sal fundido (utilizado em usinas de energia solar concentrada, ou usinas heliotérmicas) ou ainda gases como o hidrogênio, que pode posteriormente ser aplicado em uma célula combustível. “A energia que conseguimos extrair da luz (e calor) do Sol não está disponível continuamente. Um dos desafios para aumentar o uso da energia solar, portanto, é termos novos meios (e mais eficientes) que permitam o armazenamento da energia gerada durante o dia, por exemplo, para que ela possa então ser utilizada à noite”, esclarece o pesquisador ao apontar que, com o gerador recém-adquirido, será possível dimensionar o sistema de energia solar fotovoltaica para alimentar a instalação assim como o desenvolvimento do reator para geração de amônia. “Em paralelo, no terceiro ano do projeto, em 2025, desenvolveremos o modelo teórico para cálculo do potencial de geração de hidrogênio e amônia”, informa o docente do Departamento de Engenharia Mecânica.
Além do impacto positivo direto para a sociedade, informa o diretor do Instituto Politécnico, Prof. Dr. Lauro Soares de Freitas, essa nova frente de atuação do Green permitirá que os alunos adquiram habilidades práticas no manejo de tecnologias emergentes, como a produção, armazenamento e aplicação do hidrogênio verde. Isso os prepara para atuar em um novo mercado que demanda profissionais qualificados em energias renováveis e sustentáveis. “O projeto não apenas reforça a formação acadêmica dos engenheiros com experiências práticas e avançadas, mas também oferece uma alternativa viável em termos de sustentabilidade, descarbonização, independência energética de combustíveis fósseis e desenvolvimento tecnológico”, explica.
Qualificação transversal
“Nos cursos de graduação do Ipuc, as temáticas da sustentabilidade e das energias renováveis ocupam um lugar de destaque nos projetos pedagógicos”, afirma o diretor do Ipuc, que também atua na docência dos programas de pós-graduação da Universidade. Nas matrizes curriculares dos cursos de engenharia, essas temáticas estão presentes em mais de uma disciplina, como é o caso de conteúdos sobre Green Supply Chain e métodos de Ecodesign (veja no Saiba mais) abordados em diversas unidades curriculares.
Os 17 Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODSs) propostos pelas Nações Unidas estão presentes, segundo o professor Lauro, nas discussões sobre a formação dos novos profissionais da área. Guiada pelo desenvolvimento de competências associadas a métodos e tecnologias que possam promover a superação de desafios, o Ipuc capacita engenheiros capazes de: desenvolver estratégias para redução do consumo de energia das indústrias, edifícios e infraestrutura urbana, utilizando tecnologias de automação e eficiência energética; projetar sistemas e processos que maximizem a eficiência energética e minimizem a utilização de carbono; e identificar oportunidades para inovar em energias renováveis, criando novos produtos, serviços ou processos que atendam às demandas do mercado e das regulamentações ambientais. “Na perspectiva extensionista, destacamos o valioso trabalho do grupo de discentes e docentes do projeto Engenharia Sustentável, realizado com escolas estaduais. O projeto envolve discentes dos cursos de Engenharia Civil, Engenharia de Produção, Engenharia de Controle e Automação e tem o objetivo de planejar e estruturar ações sustentáveis associadas ao uso racional dos recursos naturais e reaproveitamento de resíduos em escolas parceiras e comunidades interessadas”, acrescenta.
Relevância internacional
Dados da Associação Brasileira da Indústria do Hidrogênio Verde (ABHIV) apontam para um cenário no qual o Brasil será um dos principais países produtores do hidrogênio verde (H²V) nos próximos seis anos, com perspectiva de um superávit de R$ 75 bilhões, já que a matriz energética do país é de mais de 80% de energia elétrica renovável.
O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do Governo Federal, anunciado em agosto deste ano, prevê investimentos públicos e privados na produção de combustíveis renováveis e em projetos de captura e armazenamento de carbono, além de estudos para a implantação de projetos de hidrogênio verde e a conversão de refinarias de petróleo em biorrefinarias, que utilizam milho, cana-de-açúcar, beterraba ou outras plantas ricas em açúcares para a produção de biocombustíveis como, por exemplo, o etanol.
Para o pesquisador Pedro Paiva, o desenvolvimento de fontes renováveis de energia e, sobretudo, de meios para viabilizar o armazenamento de energia limpa para utilização posterior deve ser buscado continuamente. “Iniciativas como a nossa pesquisa contribuem para reduzir a dependência de recursos naturais escassos, e podem aumentar a eficiência energética de dispositivos usados em diferentes áreas da vida humana, principalmente dos que funcionam atualmente com combustíveis fósseis”. O pesquisador explica que o projeto também contará com bolsas de Iniciação Científica e a participação de um mestrando do Programa de Pós-graduação em Engenharia Mecânica, contribuindo para o fortalecimento da pesquisa produzida pela Universidade.
A agência de consultoria internacional Bloomberg NEF, especializada em produção de pesquisas de mercado baseadas na transição energética, publicou, no último ano, dados que colocam o Brasil como um dos únicos países capazes de oferecer hidrogênio verde a um custo inferior a US$ 1 por quilo até 2030.
Diante desse cenário, o Green PUC Minas investe em novas frentes de pesquisa e atuação. De acordo com a coordenadora, além do hidrogênio verde, a equipe tem no horizonte pesquisas nas áreas de Energia Solar Térmica, Energia Solar Fotovoltaica e Energia Eólica para a redução das emissões de carbono na indústria. “Para isso temos buscado financiamentos em editais de órgãos financiadores, parcerias com empresas e investimentos da Universidade e do Ipuc. Este movimento visa evidenciar o Green como um centro de excelência em energias renováveis em Minas Gerais”, reitera a professora Rosely Campos.
SAIBA MAIS
O que é Green Supply Chain e métodos de Ecodesign?
A cadeia de suprimentos verde, em tradução livre, envolve a integração de princípios e padrões ecológicos em todas as etapas de produção. Inclui a escolha de materiais sustentáveis, processos de produção menos poluentes, transporte alimentado por meio de energias renováveis e gestão responsável dos resíduos.
O Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) define o conceito de Ecodesign como todo processo que contempla aspectos ambientais em que o objetivo principal é projetar ambientes, desenvolver produtos e executar serviços que de alguma maneira irão reduzir o uso dos recursos não renováveis ou ainda minimizar o impacto ambiental durante seu ciclo de vida.