Especialista do cuidado

Atenção Primária à Saúde enfrenta desafios com o déficit de médicos de família e comunidade
Para a médica Inez Lopes, o diferencial do médico de família e comunidade é ser o profissional que acompanha o paciente durante as fases da vida | Foto: Nathália Farnetti

Implementada no Brasil em 1991, a Atenção Primária à Saúde (APS) se caracteriza pelo cuidado com as pessoas de forma integral, priorizando ações de prevenção e promoção da saúde, indo além de tratar doenças por meio do monitoramento de saúde, prevenção de agravos clínicos, atenção domiciliar, cuidados paliativos etc. Um dos principais profissionais médicos que atua na APS é o especialista em Medicina de Família e Comunidade, especialidade com déficit de 70 mil profissionais no Brasil, de acordo com dados da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC). Atualmente são apenas 10 mil profissionais especializados nessa área atuando em todo o país.

“Ao nascer, nos momentos de adoecimento, nas queixas agudas, nas questões crônicas, nos cuidados paliativos, o médico de família vai estar lá”, explica a médica Ynez Lopes, graduada em Medicina no Acre e nascida no interior do Rio de Janeiro. Ynez é uma das 17 egressas do programa de residência médica em Medicina de Família e Comunidade, ofertado pela PUC Minas desde 2021 nos campi Contagem e Poços de Caldas. Para ela, o diferencial do médico de família e comunidade é ser o profissional que conhece a história do paciente e o acompanha durante as fases da vida.

Ynez realizou parte da sua residência médica na Unidade Básica de Saúde (UBS) Maria da Conceição, no bairro Santa Edwiges, em Contagem. Sua preceptora na UBS, médica especialista em Medicina de Família e Comunidade há 20 anos, Cristina Falco, conta que receber residentes na Atenção Primária à Saúde possibilita aprendizados mútuos. “É uma oportunidade de crescimento do serviço e dos profissionais envolvidos na formação, sempre com troca de conhecimento e de experiências entre as partes.
Com isso, a assistência ao paciente e seu entorno tende a ganhar em qualidade e eficiência”, afirma.

Para a professora e coordenadora do programa de residência médica em Medicina de Família e Comunidade do Campus Contagem, Marina Corradi, a escassez de profissionais na área é atribuída a várias razões. “Uma delas é a valorização histórica de especialidades mais tradicionais e hospitalares, o que levou a uma menor oferta de vagas em residências e investimentos em MFC. Além disso, há uma percepção equivocada de que essa especialidade é menos prestigiada ou remunerada em comparação com outras áreas da Medicina. Também existe uma falta de incentivos governamentais e políticas públicas direcionadas à Atenção Primária à Saúde, o que resulta em uma menor procura por essa especialidade por parte dos profissionais”, levanta.

Hésio Lacerda: “Infelizmente, ainda temos o pensamento muito focado na doença. Precisamos inverter essa lógica e focar na saúde” | Foto: Nathália Farnetti

Contexto nacional

“Infelizmente, ainda temos o pensamento muito focado na doença. Precisamos inverter essa lógica e focar na saúde”, defende Hésio Lacerda. Foi esse o motivo que levou o residente do programa de MFC da PUC Minas Contagem à escolha da sua especialidade. Ele, que atua na Unidade Básica de Saúde (UBS) do bairro Nacional, em Contagem, considera fundamental a possibilidade de cuidar do paciente de forma integral, independentemente da queixa que o levou a procurar atendimento. “As ações de prevenção, rasteio e promoção da saúde são as que me encantam”, relata.

A conduta de Hésio está alinhada às diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a promoção da Saúde Pública. De acordo com o Relatório 30 anos de SUS – Que SUS para 2030? publicado em 2018 pela Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS), é fundamental consolidar no Brasil a Atenção Primária à Saúde. Evidências científicas internacionais comprovam que um sistema de saúde estruturado com base na APS forte oferece melhores resultados, eficiência, diminui os custos e aumenta a qualidade de atendimento em relação a outros modelos.

O relatório também aponta a importância da consolidação da Estratégia de Saúde da Família (ESF), pois indica uma diminuição de internações, a redução da mortalidade infantil, materna e por causas previsíveis. Uma das iniciativas da ESF no Brasil consiste na criação do Programa Mais Médicos, que visa diminuir a carência de médicos, a alta rotatividade nas equipes, além de alcançar a relação de 2,7 médicos por mil habitantes. Nesse cenário, a abertura do Curso de Medicina nos campi Contagem e Poços de Caldas foi concedida pelo Programa Mais Médicos.

“O médico de família tem uma formação e um pensamento de gestão: gestão do tempo, da agenda, da forma que se organiza, do atendimento para otimizar a atuação de cada profissional da equipe. Então, o médico de família pensa na melhor utilização dos recursos, sejam eles públicos ou não, até mesmo recursos do paciente”, explica a professora e coordenadora do Programa de Residência Médica do Campus Poços de Caldas, Letícia Lara Martins. Segundo ela, o médico especialista nessa área possui um papel central de coordenador da Atenção Primária à Saúde.