Geopolítica ambiental

Ilustração: Quinho
Ilustração: Quinho

Foi num dia ensolarado de céu azul no outono de 1992 que o Brasil se apresentou ao mundo como uma nação possuidora de matriz energética exemplar e incomparável biodiversidade. Fui testemunha de um Rio de Janeiro irreconhecível e memorável, quando centenas de chefes de Estado e milhares de cidadãos do mundo marcaram presença na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92) para discutir aquecimento global e preservação ambiental.

Os tempos eram outros. A Rio-92 (3 a 14 de junho) revelou ao mundo a existência de um país que virou exemplo de produção de energia limpa e renovável. Embora tão dependente de petróleo quanto os demais, o Brasil tinha nas hidrelétricas e na biomassa quase a metade da produção energética capaz de suprir uma das maiores populações do mundo.

Para um país que possui a maior biodiversidade do planeta, a maior e mais rica cobertura florestal e 12% de toda água doce disponível, tornar-se uma liderança ambiental soava como destino natural. Infelizmente, não foi suficiente. Liderança se faz com ideias e atitudes; com projetos e investimentos. Ao Brasil, faltam os dois. A Rio-92 trouxe a esperança de que o país pudesse almejar um papel destacado numa nova geopolítica em gestação – a ambiental. Entretanto, liderança e oportunidade dissiparam-se por omissão, incompetência e falta de visão daqueles que deveriam conduzir a nação a um lugar de destaque nas relações internacionais. Nos dias de hoje, metade das emissões de CO² lançada na atmosfera vem das queimadas de suas florestas, anulando os efeitos positivos da sua matriz de energia.

Os combustíveis fósseis ainda são responsáveis por mais de 70% da matriz mundial de energia. O petróleo, hoje responsável por aproximadamente 32% do total, continuará sendo a fonte mais consumida pelos próximos 10 ou 15 anos. O carvão mineral – o mais nefasto para o aquecimento global cuja herança remonta ao tempo da Revolução Industrial – responde por inacreditáveis um quarto da matriz energética do mundo, enquanto o gás natural, em proporção equivalente, tende a ser um combustível-ponte na transição de uma matriz fóssil para uma limpa e renovável. Nessa transição que levará quase um século, aquelas nações que investirem em fontes alternativas – como a eólica e a solar – darão um salto de produtividade e assumirão a liderança geopolítica energética e ambiental nas próximas décadas. O Brasil tem seguido nessa linha, mas ainda de forma tímida e aquém do necessário para se colocar entre as nações de vanguarda nesse quesito – entre às quais destacam-se Estados Unidos, China, Índia, França, Reino Unido, Alemanha, Austrália e Japão.

A destruição da floresta amazônica – tema que permeia o noticiário há décadas – terá preocupantes desdobramentos para o Brasil, dentre eles, a redução drástica do regime de chuvas nas regiões centro-oeste, sul e sudeste. Chuva persistente, volumosa e com duração de dias nessas regiões não é chuva de verão. Geralmente é fruto de frente fria que vem do sul do continente ou umidade originária da Amazônia. Neste último caso, trilhões de litros de água em forma de vapor – conhecidos como rios voadores – são sugados para o centro-sul do Brasil por sistemas de baixa pressão atmosférica. Todo esse vapor d´água, em forma de precipitação, irriga plantações e abastece rios que produzem eletricidade e fornecem água para consumo humano e industrial nas regiões mais densamente populosas do país. Caso a floresta amazônica se transforme em cerrado no longo prazo, a agricultura, a produção de eletricidade e o padrão de vida dos brasileiros – amparados na ampla disponibilidade de água doce – sofrerão mudanças irreversíveis.

O desmatamento e as queimadas na Amazônia, embora tenham aumentado em volume e focos nos últimos anos, não é mérito do governo atual; vêm de décadas perpassando sucessivas administrações que, por desinteresse, falta de sensibilidade ou de atitude, assistem passivamente ao cenário no qual milhares de focos de destruição são detectados todos os anos na região. A discussão que considera oito mil focos de incêndio mais grave do que seis mil é etérea. A destruição é contínua e irreversível.

A cobrança que vem de outras nações para que o Brasil preserve seu patrimônio ambiental chega a ser humilhante. Procurar vizinhos com devastação maior não resolve o problema. Na COP 26(*) realizada ano passado, o país assumiu o compromisso de zerar o desmatamento ilegal até 2028 e cortar em 50% as emissões de gases poluentes até 2030. Considerando que o desmatamento na Amazônia tem apresentado tendência de alta, ficando acima dos 10.000 km² nos últimos dois anos, a meta parece fictícia.

A solução não depende somente do executivo federal; passa por um conjunto de ações que envolvam todas as esferas de poder federal e estaduais. A legislação ambiental brasileira é considerada uma das mais avançadas e completas do mundo. Entretanto, a certeza da impunidade e a ausência do Estado onde deveria fiscalizar e atuar preventivamente mantêm altos os números de destruição florestal. Toda estrada aberta na Amazônia forma, em questão de anos, um desmatamento em forma de espinha de peixe visível em fotos de satélite. Por que não se providenciar nessas regiões a presença permanente do exército, por exemplo, que atuaria em parceria com outros órgãos de forma a evitar a destruição da floresta?

A imagem do país isolado diplomaticamente é um sinal de que as coisas não vão bem para um país que teve oportunidade única de liderar um novo mundo que surgia. Na COP 26, o presidente da República, simplesmente, não compareceu à Conferência.

(*) COP 26 – 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima realizada em Glasgow, na Escócia, entre 1 e 12 de novembro de 2021.

Ricardo Ghizi Corniglion

Doutor em Geografia pela PUC Minas, o coordenador do Curso de Administração da Unidade São Gabriel reflete sobre a falta de liderança e o isolamento do Brasil nos fóruns internacionais sobre meio ambiente. Foto: Raphael Calixto.

A Revista PUC Minas não se responsabiliza pelas opiniões expressas pelos autores nos artigos assinados.

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