O racismo estrutural, que se expressa em diferentes formas no cotidiano da população negra no Brasil, é demarcador do quadro de desigualdades sociais que excluem e obstaculizam o acesso dessa parcela da população às condições de equidade para fruição do conjunto das riquezas socialmente geradas, sempre ela se constituindo como os estratos mais pobres da sociedade. Geralmente são grupos com menores níveis de renda e de escolaridade, e, mesmo quando se equiparam à população branca nos quesitos educacionais, ainda assim as barreiras impostas pelo racismo negam oportunidades.
A precarização das condições de vida anda pari passu com a precarização das condições de trabalho. A começar pela definição de trabalho, que reconhece apenas como tal as atividades remuneradas, excluindo o trabalho doméstico, atividade realizada predominantemente pelas mulheres. Assim, nota-se que a discriminação por gênero se inicia já na delimitação do que é socialmente reconhecido como atividades laborais. Se essa condição afeta a vida de qualquer mulher, o racismo se encarrega de discriminar ainda mais a vida das mulheres negras.
A discriminação no mercado de trabalho se realiza pelo tratamento diferenciado e hierarquizado de pessoas que estão em igual situação de capacidade produtiva, com as mesmas características e atributos profissionais, mas que têm níveis menores de remuneração ou condições de trabalho mais precárias, em face do grupo social a que pertencem.
As melhores remunerações e condições de trabalho se dão à população branca (homens com melhor remuneração seguidos pelas mulheres), a discriminação se dando pelos menores níveis remuneratórios para os homens negros, seguidos pelas mulheres negras. Dados de pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas (Agência Brasil, 2024) apontam que, para o primeiro trimestre de 2023, as mulheres negras recebiam em média 48% dos rendimentos médios dos homens brancos, 62% da remuneração média das mulheres brancas e 80% dos rendimentos médios auferidos pelos homens negros. Todavia, é preciso destacar que nos primeiros trimestres entre os anos 2012 e 2023, o crescimento geral da população em idade de trabalhar girou em torno de 13%, enquanto para o grupo de mulheres negras este crescimento se deu na ordem de 24,5%, próximo dos homens negros (em torno de 23%) e muito acima do percentual dos homens brancos (2,8%) e das mulheres brancas (1,9%). Acresça-se a isso o quadro de desemprego que é muito mais expressivo para o grupo em análise. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea, 2014), as mulheres negras estavam na ponta do quadro de desocupação com uma taxa de 10,2% de desemprego, as mulheres brancas com a taxa aproximada de 8%, os homens negros com aproximadamente 7% e os brancos com taxa de desocupação aproximada de 6%.
Embora os dados acima refiram-se ao quadro geral dos rendimentos do trabalho, e demonstrem que 50% da distância entre os rendimentos das mulheres negras com relação aos homens brancos decorra do tipo de trabalho, isso se dá pelo fato de que predominam entre elas o trabalho precário e em grande parte informal. Esses dados demonstram que 39,1% das mulheres negras ocupadas estão inseridas em relações precárias de trabalho, seguidas pelos homens negros com a taxa de 31,6%, mulheres brancas com taxa de 27% e homens brancos com 20%. O quadro não é muito diferente quando os níveis de escolaridade e a formação profissional são equivalentes.
Nesse aspecto é preciso destacar também que, não obstante o crescimento da escolarização entre as populações negras e das melhorias na remuneração, a discrepância entre os grupos é bastante substantiva, atestando o quadro de discriminação por gênero e raça. Os dados demonstram que, para o ano de 2014, embora tenha sido a primeira vez que as mulheres ultrapassaram o patamar de 70% da renda masculina – nos 10 anos anteriores, esse patamar era de 63% –, as mulheres negras não conseguiram alcançar nem os 40% da renda dos homens brancos.
Analisando os dados da discriminação em estudo comparativo desse processo no Estado da Bahia vis-à-vis o Brasil, Fonseca e Jorge (2024) observam que para o quadro geral do Brasil em 2015, as mulheres brancas possuem maiores taxas de escolaridade, tanto com relação aos homens brancos quanto com relação às mulheres negras. Embora anos adicionais de idade, de escolaridade e de experiência representem retorno positivo para todos os grupos, o estudo observou que a diferença salarial entre homens brancos e mulheres negras é da ordem de 78,2%, num coeficiente discriminatório de 68,7%, quadro similar também no Estado da Bahia. Com relação às mulheres brancas, o coeficiente de discriminação é da ordem de cerca de 30% em relação às mulheres negras. Quadro similar ocorre também com relação aos homens negros. Assim, o fosso salarial é o maior responsável pelo quadro de desigualdades que acomete as mulheres negras, fato sustentado pela intersecção entre gênero e raça.
Por fim, é preciso considerar ainda as transformações do mundo do trabalho e o crescimento do trabalho precário, principalmente em face das novas tecnologias e dos processos de desregulamentação trabalhista. Esse quadro que amplifica o trabalho informal, muitas vezes parcial e intermitente, controlado por algoritmos, reforça os aspectos de desproteção ao trabalhador e a inserção marginal no mercado, dando a tônica que potencializa as desigualdades sociais, degradando ainda mais as condições de vida dessa população.