A disposição do Governo Federal em trazer novamente o tema da proibição legal do uso de celulares em salas de aula reacende um debate controverso e, em muitas perspectivas, polarizado – o que é próprio do mundo contemporâneo. De um lado, há opiniões que compreendem os dispositivos como instrumentos que furtam do estudante sua atenção em sala de aula, impactando seu aprendizado e sua sociabilidade; de outro, há opiniões que os entendem como importantes para o uso didático no processo de aprendizagem. Duas percepções, ao seu modo, calcadas na realidade. Difícil é estabelecer o meio-termo para a complexidade do que se tornou a presença do celular em nossa vida.
Jonathan Haidt, em seu livro Geração ansiosa, nos apresenta um diagnóstico preocupante em termos da relação das crianças e dos adolescentes com os celulares. Segundo o autor, desde o início dos anos 2010, as taxas de depressão, ansiedade e outros transtornos mentais têm crescido vertiginosamente nesses grupos. Haidt demonstra como a “infância baseada no brincar” entrou em declínio e foi substituída pela “infância baseada no celular”, acompanhada por uma hiperconectividade que alterou o desenvolvimento social e neurológico dos jovens e tem causado privação de sono, privação social, fragmentação da atenção e vício. Ele também examina como as redes sociais impactam os jovens e os motivos pelos quais estes acabam migrando do mundo real para o virtual.
Não se trata aqui de condenar a tecnologia, mas de questionar sobre o uso que fazemos. Não é fácil instaurar esta reflexão, pois todos, de uma forma ou de outra, e não somente os alunos em contexto escolar, nos sentimos incapazes de nos imaginar sem o celular.
Um mundo em conexão não é necessariamente um mundo em comunhão. Muitas pessoas, ao se conectarem às redes, na verdade isolam-se, alimentadas pelo que oferece o algoritmo, tornando-as dependentes do que lhes interessa no feed. Papa Francisco, nesse caso, fala da necessidade de uma “algorética”, pois, “dos canais digitais disseminados na internet, os algoritmos extraem dados que permitem controlar hábitos mentais e relacionais, para fins comerciais ou políticos, geralmente sem o nosso conhecimento. Essa assimetria, na qual poucos sabem tudo sobre nós, enquanto nós nada sabemos sobre eles, entorpece o pensamento crítico e o exercício consciente da liberdade”. O Pontífice nos recorda que somos “solicitados a discernir como a criatividade humana pode ser exercida com responsabilidade”, o que exige o desenvolvimento de uma cultura que integre recursos da ciência e da tecnologia, “capaz de reconhecer e promover o humano em sua especificidade irrepetível”.
Somos todos convocados para esse debate, sabendo desde já que o bom senso e o uso ético dos recursos não devem depender de ordenamentos legais. Cabe à escola, no nosso caso, à Universidade, oferecer esta lição: alunos, professores e funcionários devem ser uma presença presente e, portanto, consciente, na vida escolar. Que sejamos iluminados pelo espírito de comunhão e de partilha, e que a vida concreta das relações seja sempre nossa primeira escolha.