Ao completar 25 anos de ordenação episcopal, sendo 19 à frente da Arquidiocese de Belo Horizonte, Dom Walmor Oliveira de Azevedo, Grão-chanceler da PUC Minas, nunca se eximiu das grandes questões sociais, tendo como marca de sua gestão a preocupação com as dimensões social, humana e espiritual.
O protagonismo da Arquidiocese de Belo Horizonte na educação mineira, por meio dos Colégios Santa Maria Minas e da PUC Minas, é uma das características da sua contribuição para um mundo mais igualitário, justo e fraterno.
Nesta entrevista, Dom Walmor comenta a relevância do papel da PUC Minas e das universidades católicas ao inspirar cada um de nós na missão de contribuir por um mundo melhor, através da educação, sempre estabelecendo o diálogo entre fé e razão.
Falando, primeiramente, sobre a relação do senhor com o mundo da educação e da pesquisa: em sua trajetória pastoral e eclesial, como percebe a importância da dimensão da academia nesse percurso?
A formação humana e intelectual é essencial para os vocacionados ao ministério sacerdotal. Oportuno lembrar que cada padre, antes de ser consagrado diácono e presbítero, trilha um denso caminho formativo no seminário, graduando-se também em Filosofia e Teologia. Os padres lidam com dores humanas e existenciais no constante atendimento aos fiéis. São chamados a oferecer respostas, fundamentadas nos ensinamentos de Jesus, para os mais variados tipos de problema. Necessitam, pois, buscar aprender sempre mais, reconhecendo-se sempre como aprendizes. Com a graça de Deus pude trilhar um frutuoso itinerário formativo, contando sempre com a dedicação de muitos professores e padres formadores, desde os tempos de seminarista. Logo após ser ordenado padre, meus superiores reconheceram o meu entusiasmo com a possibilidade de aprender sempre mais, enviando-me a Roma. Concluí o mestrado em Ciências Bíblicas, pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, e o doutorado em Teologia Bíblica, pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Ao regressar ao Brasil, pude servir a Igreja ainda mais, no contexto das comunidades de fé onde fui pároco, na formação de seminaristas, no Seminário Arquidiocesano Santo Antônio, e na docência de diferentes instituições de ensino superior. Percebo que a vida acadêmica é, dessa forma, singular oportunidade para servir mais, levando o que aprendemos para muitas frentes de trabalho, sempre no sentido de contribuir para o anúncio do Evangelho, para o desenvolvimento de cada pessoa e de nossas comunidades de fé.
Recentemente, publicou-se um livro com artigos em homenagem – 25 anos de sua ordenação episcopal: Para curar os feridos no coração – escritos em homenagem a Dom Walmor Oliveira de Azevedo. Em sua existência milenar, a Igreja Católica ofereceu e oferece uma grande contribuição à filosofia e à compreensão da presença do homem no mundo. Como estimular ainda mais esse caminho iluminado pelo conhecimento?
Renovo a minha gratidão à PUC Minas pela obra, que reuniu contribuições de muitos professores-pesquisadores, com artigos que ajudam a compreender questões do mundo contemporâneo. O Papa Francisco, na luminosidade de seu pontificado, alerta a humanidade para graves problemas enfrentados pelo mundo, com desdobramentos que ameaçam a vida de todos. Na Carta Encíclica Laudato Si’, adverte que não há possibilidade de uma humanidade saudável em um mundo adoecido. Alerta que a atual relação do ser humano com o seu semelhante e com o planeta é submissa às lógicas do mercado e do lucro, o que leva a um agir predatório, inconsequente. São necessárias mudanças urgentes. E o próprio Papa Francisco indica o caminho para essas transformações: um grande Pacto Educativo Global. É preciso estimular o compartilhamento de um conhecimento que não é simplesmente técnico, voltado para a geração de bens. Deve-se investir na formação integral do ser humano, contemplando reflexões sobre aspectos emocionais, hábitos, de modo a estimular o autoconhecimento, passo necessário para ocorrer mudanças no estilo de vida. As instituições de ensino têm papel importante nessa tarefa, que precisa envolver representantes da população nas instâncias do poder, com a criação de adequadas políticas públicas para a área da educação, sociedade civil, famílias e igrejas. A humanidade precisa se reconhecer e agir como família para efetivar as mudanças capazes de gerar um mundo melhor.
A PUC Minas, como as universidades católicas de todo o mundo, se propõe a garantir uma presença cristã no mundo universitário. Como a natureza de Universidade Católica se evidenciou na sociedade durante os 65 anos da PUC Minas?
A presença da PUC Minas, com a sua identidade católica, se notabiliza pelo compromisso irrestrito com o ensino e a pesquisa alicerçados em parâmetros humanísticos inspirados no Evangelho de Jesus. Isto significa que a PUC Minas não busca simplesmente o progresso técnico-científico, ou a preparação de alunos para o mercado de trabalho, necessidades importantes. A instituição vai além: inspira atitudes éticas, a inclusão dos mais pobres, com a formação integral de seus alunos, o acolhimento de jovens a partir de bolsas de estudo, o exercício de um senso crítico para que todos possam ser protagonistas nas muitas frentes de trabalho, que buscam tornar o mundo mais justo, fraterno e solidário.
Nesse sentido, no mundo de um racionalismo exacerbado, mas também marcado por tantas polarizações, como estabelecer o equilíbrio entre fé e razão?
A excelência da PUC Minas no ensino, na pesquisa e na extensão universitária, referência na formação humana, é sinal de que fé e razão não se opõem. Cito sempre São João Paulo II, que ensina: fé e razão são asas que elevam o ser humano à verdade. Há, pois, uma relação de complementariedade que muito enriquece a formação humana, permitindo mais lucidez no tratamento de problemas complexos, incapazes de serem solucionados simplesmente por uma perspectiva racional. A fé, dom de Deus, permite à humanidade perceber que há uma dimensão transcendente, uma realidade que ultrapassa os limites do tempo e do espaço. Amplia, assim, horizontes, possibilitando o reconhecimento de que todos somos pequenos, mas ao mesmo tempo sagrados. A fé qualifica a sensibilidade humana, para que o conhecimento não seja tratado meramente como um meio para se alcançar riqueza ou poder, para manipular os dons da natureza com o objetivo de beneficiar pequenos grupos. A abertura para o transcendente ajuda o ser humano a se reconhecer como coparticipante da tarefa de cuidar do mundo, de cada pessoa, principalmente daquelas que são mais pobres, fragilizadas, excluídas. A PUC Minas e as universidades católicas precisam inspirar sempre, e cada vez mais, esse necessário diálogo entre fé e razão, a partir de seus alunos, professores, pesquisadores, colaboradores técnico-administrativos.
Hoje, a Universidade é reconhecida, ao mesmo tempo, pela sua tradição e pela sua contemporaneidade. De que forma a PUC Minas se faz presente numa sociedade que se reinventa freneticamente, revendo valores e visões de mundo?
A PUC Minas e toda a Igreja, constantemente, buscam oferecer respostas aos problemas apresentados pela contemporaneidade. Para oferecer essas respostas, a PUC Minas e a própria Igreja se atualizam a partir de um contínuo processo de humilde escuta, de uma abertura para dialogar com perspectivas diferentes, valorizando as diferenças que, sublinhe-se, não são obstáculo para a construção da unidade. Isto porque os valores essenciais irradiados pelo Evangelho de Jesus Cristo são atemporais e universais. Relacionam-se à defesa e proteção da vida, em todas as etapas, com a promoção e o reconhecimento da dignidade de cada pessoa, indistintamente. Fiel aos valores do Evangelho, a Igreja, com as suas instituições, oferece respostas aos problemas enfrentados pela humanidade. A PUC Minas, assim, se renova, avançando sempre, mas sem perder os fundamentos que alicerçam a história bimilenar da Igreja Católica.
A PUC Minas cativa, com paixão, seu zelo com uma educação que seja realmente transformadora. Como fazer da Universidade um instrumento de promoção social e de defesa dos mais necessitados?
O caminho é investir sempre, e cada vez mais, para que a PUC Minas continue a se fortalecer como grande comunidade acadêmica, reunindo estudantes, professores, profissionais técnico-administrativos, todos partilhando o propósito de contribuir para que o mundo se torne melhor, a partir de uma educação transformadora. Importante dizer: a PUC Minas preocupa-se com a sua sustentabilidade. Da mesma forma, seus colaboradores merecem uma remuneração capaz de lhes ajudar a viver com dignidade. Mas a dimensão pecuniária não é o principal balizador das atividades da PUC Minas, de sua comunidade acadêmica. No horizonte de todos está o compromisso com o conhecimento sociotransformador, pensando especialmente na realidade daqueles que são mais pobres, sofrem mais. Por isso mesmo, a PUC Minas não mede esforços para fortalecer projetos de pesquisa e extensão universitária capazes de mudar realidades, promover a vida humana. A instituição busca ser cada vez mais inclusiva, acolhendo alunos com a oferta de bolsas de estudo, promovendo ações de acessibilidade. Este caminho que ultrapassa a dimensão meramente mercadológica da educação é exitoso. A sociedade reconhece a PUC Minas, a sua solidez e importância na formação humana, na promoção e partilha do conhecimento.
A Arquidiocese de Belo Horizonte desempenha um importante papel na educação da sociedade mineira por meio do Colégio Santa Maria Minas, primeira escola da capital mineira, e a PUC Minas, cujo nascimento se deu a partir de um grande esforço da Igreja e com envolvimento da própria sociedade. Atualmente, mais de 100 mil alunos estudam nas duas instituições. Visando à efetivação do Pacto Educativo Global, convocado pelo Papa Francisco, de que forma a educação gestada no âmbito da Arquidiocese contribui para difundir o princípio do humanismo integral, que valoriza o ser humano em sua integralidade?
A PUC Minas e o Colégio Santa Maria Minas dedicam-se à formação humana desde a infância até a pós-graduação. Em cada etapa do desenvolvimento de seus alunos, as instituições de ensino da Arquidiocese de Belo Horizonte primam pela excelência na partilha do conhecimento, considerando as muitas disciplinas, essenciais para que nossos alunos sejam protagonistas em muitos campos do saber. Mas nossas instituições vão além: contribuem para ensinar que não são suficientes os conhecimentos técnico-científicos para que seja alcançada uma vida melhor. A educação cristã católica, no horizonte do humanismo integral, tão sublinhado pelo Papa Francisco, assume o compromisso de mostrar que todos somos interdependentes, constituindo a grande família humana. Não há, pois, conforto, tranquilidade, felicidade plenamente assegurados enquanto tantas pessoas vivem as dores da exclusão e da pobreza. Em cada etapa da vida de nossos estudantes, no contexto de cada disciplina, busca-se sublinhar a interdependência que une todos nós, mesmo que geograficamente distantes. Essa consciência de que a humanidade constitui uma família é cultivada nas nossas instituições, abrindo o coração de muitos para a vivência da fraternidade social.
No ano em que completa 65 anos de trajetória, a Universidade comemora a nota máxima no processo de recredenciamento pelo Ministério da Educação. De que forma esta notícia é recebida considerando que a educação passa por um cenário desafiador e de grandes mudanças estruturais nos últimos anos?
A nota máxima no processo de recredenciamento pelo Ministério da Educação é mais uma comprovação de que a PUC Minas está no caminho certo. A instituição, constantemente, é agraciada com premiações e homenagens, reconhecidamente a maior universidade privada de Minas Gerais e a maior universidade católica do mundo. Especialmente no Brasil, o campo da educação carece de atenção maior, com adequados investimentos. Não se transforma um país e o próprio mundo sem tratar estrategicamente a educação. Na contramão de um cenário ideal, o que se vê é um descaso com a realidade de professores, alunos, instituições de ensino. A Arquidiocese de Belo Horizonte busca reagir diante dessa realidade, priorizando o fortalecimento de uma educação transformadora, ainda mais necessária neste tempo de aceleradas mudanças.
Seis décadas e meia após sua fundação, podemos dizer que a PUC Minas concretizou plenamente o sonho de Dom Cabral?
Muito provavelmente a PUC Minas alcançou um patamar jamais imaginado por Dom Cabral. Ao mesmo tempo, precisamos compreender que o sonho do primeiro Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte e Grão-Chanceler da PUC Minas, Dom Antônio dos Santos Cabral, deve continuar a nos mover. Dom Cabral foi incansável, venceu muitas adversidades, plantou as sementes que germinaram e floresceram, com a contribuição de muitos. Esse espírito aguerrido de Dom Cabral, movido pela chama do Espírito Santo de Deus, deve permanentemente nos inquietar: o sonho de Dom Cabral, nascido há mais de seis décadas, deve levar-nos a agir sempre, para que a PUC Minas se fortaleça cada vez mais no serviço à sociedade.
E, por fim, atenta à complexidade dos tempos em que vivemos, quais rumos o senhor enxerga para a Universidade nos próximos anos?
A PUC Minas sempre se destacou pela inovação, com uma história construída por muitos protagonistas. A Igreja Católica vive hoje um processo sinodal convocado pelo Papa Francisco, para renová-la, dando continuidade ao caminho iniciado no Concílio Vaticano II. Este processo sinodal, dentre as importantes mudanças almejadas, busca fortalecer ainda mais o protagonismo de cada pessoa na vida da Igreja. Não somente bispos, padres, religiosos, mas igualmente cada fiel leigo e leiga, especialmente as mulheres, respeitando a vocação e a missão de cada um. Esse caminho sinodal vivido pela Igreja certamente poderá fortalecer ainda mais a PUC Minas, que não é simplesmente uma instituição de ensino, mas uma grande comunidade acadêmica, com pessoas diferentes, reunindo modos de pensar que até se divergem, mas com a notável capacidade de configurar uma grande orquestra, de muitos protagonistas. Na vivência da sinodalidade – que significa caminhar juntos –, a PUC Minas avança, sendo referência para toda a sociedade, a serviço da formação integral do ser humano, no ensino, na pesquisa, nas ações de extensão universitária, ajudando o mundo a mudar a partir do campo estratégico da educação, sempre à luz do Evangelho de Jesus Cristo.