Mulheres no rap

O gênero musical mineiro cresce, mas ainda não representa o segmento feminino
A rapper Amazonita Ágata diz que há poucas mulheres no rap por causa de uma questão estrutural da sociedade | Foto: Raphael Calixto
A rapper Amazonita Ágata diz que há poucas mulheres no rap por causa de uma questão estrutural da sociedade | Foto: Raphael Calixto

Nos últimos anos, o rap tem crescido em Belo Horizonte e revelado produções que se destacam no cenário brasileiro. Muito apreciado entre jovens, o gênero musical acompanha uma tendência mundial que se beneficiou do processo de mundialização da cultura. Em uma cena majoritariamente ocupada por homens, as rappers mulheres ainda buscam o seu espaço, para dar voz a seus anseios e obter o merecido reconhecimento. Há conquistas por parte delas, mas ainda falta valorização tanto dos colegas homens como do público em geral.

O rap faz parte do movimento hip-hop, criado nos Estados Unidos por jovens afro-descendentes e latinos, moradores de regiões periféricas de Nova Iorque, ao final dos anos 70. Na constituição do hip hop, aglutinaram-se quatro elementos: o DJ, MC, break e grafite. A atuação do DJ e do MC origina o rap.

Na capital mineira, há diversas manifestações artísticas, como o Duelo de MCs, um movimento que ocupa semanalmente o Viaduto Santa Tereza, na região central. A rapper Amazonita Ágata, que faz parte da Cultura Hip-Hop há cerca de 12 anos e já participou do duelo, atua hoje como MC, poeta, produtora e gestora cultural. Segundo ela, há poucas mulheres no rap por causa de uma questão estrutural da sociedade: “O não participar vem, na maioria das vezes, por conta do machismo, da falta de união e da falta de respeito com as mulheres”.

Amazonita conta que, dentro da cena, já sofreu assédio, violência verbal, além de ouvir, de vários homens, que ela não seria capaz ou que suas lutas prejudicavam o trabalho deles. “Para que as MCs sejam valorizadas, vejo a necessidade de mais rodas de conversas com elas, com produtoras e gestoras culturais e com os homens, buscando diminuir o machismo nos espaços culturais, nas batalhas de freestyle e nos muros de grafite”, pontua.

Uma das maiores dificuldades das rappers é o assédio. Inza Princess, que já atuou em duelos de rap e faz shows individuais, afirma que muitas vezes os produtores, ou mesmo parceiros musicais, só colaboram se elas concordarem em ter algum tipo de relação afetiva ou sexual com eles. “Isso é uma coisa que faz a gente se sentir muito suja, como se a nossa arte não valesse”, lamenta.

Há também falta de incentivo do público já que as produções ficam muito restritas às mulheres e pessoas LGBT. Além disso, as rappers gastam mais dinheiro, pois há um custo com a produção estética, da qual são cobradas por serem mulheres, e falta uma rede de apoio.

Mulheres na poesia falada

A falta de representação para o público feminino é percebida também no Slam. O gênero tem inspirações no repente, rap e hip-hop, mas se diferencia por priorizar a poesia falada, ao invés da rima acompanhada de instrumentos. A produtora e uma das criadoras do coletivo mineiro Slam das Manas, Thais Kas, precisou enfrentar vários desafios. “É difícil acessar os espaços de produção para levar essas mulheres, porque [os espaços] são majoritariamente masculinos”, diz.

Cita, ainda, o fato de os homens receberem mais convites para eventos, melhor remuneração e, por vezes, ao falarem sobre pautas feministas, serem mais aclamados do que as mulheres. No entanto, também há muitas conquistas, como a participação de poetas do Slam das Manas em eventos nacionais e internacionais, documentários e programas de TV. “Eu acho que é importante a poesia marginal porque a periferia, a galera que está na margem, precisa do acesso à cultura que não seja branca, eurocêntrica”, destaca.

Inza, que tem contato com o rap desde a infância, acredita que o gênero é imprescindível para mudar as coisas, pois traz uma esperança revolucionária. “O que me inspira no rap é a força que ele me traz, para eu me expressar, me comunicar e também para dizer a forma que eu penso e enxergo o mundo.”

Para Amazonita, o rap é uma oportunidade de passar, através das rimas, uma mensagem de carinho, respeito, amor, além de possibilitar o entendimento sobre o que é poesia, o que é marginal, entre diversas outras trocas que podem acontecer.

Resistência e identidade

“O que me inspira no rap é a força que ele me traz, para eu me expressar, me comunicar e também para dizer a forma que eu penso e enxergo o mundo”, Inza Princess | Foto: Bárbara Cal

Nos anos 70, em um contexto marcado por conflitos étnicos, perseguições contra negros e grupos excluídos, a poesia e o ritmo representaram um tipo de resistência e de militância pacíficas. É uma reunião que começou nas ruas e conquistou novos espaços.

De acordo com o sociólogo e professor da PUC Minas, Euclides Guimarães, o rap surge de uma evolução da música negra norte-americana. Antes dele, a música negra era manifestada e repercutida na mídia pela voz de brancos, ligados ao soul, blues e boogie oogie. Com o rap, os negros puderam utilizar a própria voz nas canções, o que contribuiu para fortalecer sua identidade.

As metrópoles surgem como uma fonte de inspiração para as produções do gênero. O vai e vem cotidiano, a rotina do trabalhador que acorda cedo e só volta para casa no final do dia e as próprias periferias são assuntos comumente utilizados nas rimas. Assim, traz à tona mobilizações, pautas sociais e políticas, e causas de grupos discriminados ou excluídos. Mas também contribui para a valorização de toda uma cultura, dar voz a muitas histórias e fortalecer os costumes de um povo.


*Os alunos foram orientados pela professora Ana Maria Rodrigues de Oliveira, editora do Marco, jornal laboratório da Faculdade de Comunicação e Artes

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