Na vanguarda da ecologia

Laboratórios do Museu de Ciências Naturais da PUC Minas formam gerações de pesquisadores alinhados com a nova realidade da proteção ao meio ambiente
Para o professor Henrique Paprocki, a expectativa é que pesquisas sobre impactos de desastres ambientais ajudem a direcionar políticas públicas | Foto: Guilherme Simões
Para o professor Henrique Paprocki, a expectativa é que pesquisas sobre impactos de desastres ambientais ajudem a direcionar políticas públicas | Foto: Guilherme Simões

A onda de lama – com cerca de 60 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro – que varreu plantações, ceifou vidas e engoliu casas na tarde do dia 5 de novembro de 2015 também apagou o traçado e poluiu as águas do Rio Gualaxo do Norte, um dos afluentes da bacia do Rio Doce.

Conhecida como uma das maiores tragédias ambientais do país, o rompimento da barragem de Fundão, no subdistrito de Bento Rodrigues, de propriedade da Mineradora Samarco, controlada pelas empresas Vale e BHP Billiton, afetou drasticamente não só a vida da população dos arredores da cidade de Mariana, mas também a flora e a fauna locais.

Interessado nas consequências desse desastre para o ecossistema da região, o grupo de pesquisadores desenvolveu, no âmbito do Projeto Biochronos, a pesquisa que resultou no artigo Resíduos de mineração alteram insetos: revelando assimetria flutuante no tricóptero Smicridea coronata publicado no Environmental Monitoring and Assessment que investigou as alterações morfológicas de uma espécie de inseto nativa das margens do rio depois da passagem devastadora da onda de rejeitos pela região. Integram o grupo de pesquisadores o docente do Departamento de Ciências Biológicas, Prof. Dr. Henrique Paprocki; as pesquisadoras Helena Maura de Andrade Soares e Isabela Cristina Rocha e o pesquisador do Departamento de Genética, Ecologia e Evolução da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Prof. Dr. Geraldo Wilson Fernandes.

As alterações observadas nas mandíbulas das larvas da espécie Smicridea coronata e identificadas pelos pesquisadores como Assimetria Flutuante (AF) seriam responsáveis pelo distúrbio populacional de insetos que, segundo o professor Paprocki, não conseguem se alimentar adequadamente e têm menos condições de sobreviver até a fase adulta.

Ao comparar insetos coletados no rio afetado com alta concentração de cádmio, arsênio, cobre, ferro e mercúrio e em outros rios da região que não sofreram diretamente com os resíduos de mineração, a pesquisa constatou que a alta concentração de metais e metaloides deixada na água pelos rejeitos da mineração afetou o desenvolvimento dessa espécie que depende da pureza da água para se desenvolver. “Eles são animais muito sensíveis a alterações ambientais e são bioindicadores da qualidade da água, por isso escolhemos essa espécie para fazer a comparação”, explica Helena Soares, egressa da graduação em Ciências Biológicas na PUC Minas, ao complementar que as alterações físicas do curso do rio causadas pela força dos rejeitos também impactaram no desenvolvimento dessa espécie que constrói uma rede na água com seda. “Eles são filtradores de matéria orgânica e são importantes para a ciclagem de nutrientes do ecossistema”, acrescenta a pesquisadora.

A preocupação com um inseto do tamanho de um grão de arroz pode parecer exagerada à primeira vista, mas se justifica quando é colocada em perspectiva a possibilidade de que alterações no corpo de animais tão pequenos podem causar efeitos em cadeia maiores como, por exemplo, a sua extinção local já que gerações nascem, se desenvolvem e morrem em uma velocidade alta. “Além disso, há estudos que mostram que a cada chuva que provoca uma cheia no rio é como se a barragem de Mariana tivesse rompido de novo, revolvendo aquele sedimento que está no fundo do rio de volta para a superfície”, afirma Paprocki.

O novo ambientalismo

Helena Maura de Andrade Soares | Foto: Nathália Farnetti

Helena, cuja dissertação de mestrado resultou no artigo, começou sua trajetória como pesquisadora no Laboratório de Invertebrados do Museu de Ciências Naturais da PUC Minas, integra um grupo de profissionais que percorreu os mesmos corredores e hoje estão à frente de uma nova prática ambientalista. “Os dados dessa pesquisa ajudam a comprovar que existe uma relação de causa e efeito entre a presença extraordinária de metais pesados, causada pelo rompimento da barragem, com as alterações morfológicas que conhecidamente podem ter efeitos em cascata prolongados”, explica. A pesquisadora também reforça que quase uma década depois do desastre ambiental, além dessa espécie, a água e tudo que vem dela foi afetado e não é mais próprio para consumo. “Ainda hoje a pesca no rio Doce não é proibida e nem restrita formalmente pelas autoridades mineiras”, completa.

Para Henrique Paprocki, que também coordena o Museu de Ciências Naturais da Universidade, a expectativa é que pesquisas como esta ajudem a direcionar políticas públicas. “O ambientalismo está passando por um período de se apoiar em evidências técnicas para dar respostas à sociedade”, esclarece Paprocki, ao informar que a organização não governamental de proteção e conservação de espécies ameaçadas na qual Helena atua na coordenação de projetos, a Biodiversitas, já teve na presidência nomes como o ambientalista Prof. Dr. Ângelo Machado, seu fundador, e o curador de paleontologia do Museu de Ciências Naturais, Prof. Dr. Cástor Cartelle.

Inaugurando um marco científico como o primeiro estudo da América Latina a utilizar a assimetria flutuante para pesquisar insetos da região neotropical, a pesquisa se baseou na morfometria geométrica – técnica capaz de captar variações sutis – para fazer a avaliação ecológica desse grupo de insetos que, somada a outros artigos científicos, corrobora a produção de evidências sobre a gravidade dos impactos do rompimento da barragem. “Esse fenômeno, chamado iluminação recíproca, é essencial para a formulação de políticas públicas”, reitera Paprocki.

No entanto, dados da plataforma internacional Overton – ferramenta de mapeamento de informações sobre políticas públicas e pesquisas vinculadas a elas – revelam que a produção brasileira de artigos científicos é muito utilizada, sobretudo, por países como Estados Unidos e Alemanha para fundamentação de normativas e diretrizes públicas em áreas como epidemiologia, conservação da biodiversidade, mudanças climáticas etc. Por sua vez, o Brasil ocupa a sétima colocação no aproveitamento da própria produção científica na fundamentação da legislação. Entre 2013 e 2022, o banco de informações compila 25.391 estudos assinados por pesquisadores brasileiros subsidiando 33.398 documentos oficiais em 123 países, dos quais o Brasil é o vigésimo quinto.