Olhar técnico e humanista

Professores e alunos da área da construção civil mostram como o desastre no Rio Grande do Sul pode ser analisado a partir da perspectiva da construção sustentável
Para o professor Rafael Arêdes, novas demandas de construção sustentável exigem um profissional com conhecimento amplo, que reúna uma sólida formação em conteúdos básicos e técnicos associados | Foto: Guilherme Simões
Para o professor Rafael Arêdes, novas demandas de construção sustentável exigem um profissional com conhecimento amplo, que reúna uma sólida formação em conteúdos básicos e técnicos associados | Foto: Guilherme Simões

Porto Alegre, 4 de maio de 2024. Adriana Barbosa Rodrigues e Luana Cavalcanti da Silva recebem um SMS (Serviço de Mensagens Curtas) da Defesa Civil do Rio Grande do Sul pedindo a evacuação imediata do bairro Cidade Baixa, onde moram. “Pegamos as malas, nossos animais e os kits deles e saímos de casa. Parecia um cenário de filme de guerra, com todas as pessoas deixando suas casas ao mesmo tempo, levando malas, bichos e tudo mais. Esse dia me deixou apavorada. Ver o olhar das pessoas na rua, todo mundo sem saber o que fazer, muitas pessoas sem saber para onde ir… Uma tristeza!”, lembra Luana. Dados da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus) da capital gaúcha indicam que Adriana e Luana estão entre os 157 mil moradores de Porto Alegre que foram afetados pelas enchentes. Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), maio de 2024 foi o mês mais chuvoso da série histórica de análises, registrada desde 1916. O volume de chuvas chegou a 522,8 milímetros, ultrapassando marcas históricas, como as que provocaram as enchentes de 1941 na cidade.

Grande parte dessa catástrofe é resultado das mudanças climáticas, decorrentes das alterações nos padrões de clima e temperatura causadas, direta ou indiretamente, pelas ações do homem. Esses eventos afetam a vida das pessoas em todo o mundo, com incomensuráveis impactos ambientais, econômicos e sociais. No caso do Rio Grande do Sul, como agir para reduzir as consequências e prevenir novos riscos de desastres? Nesse contexto, o professor do Departamento de Engenharia Civil do Instituto Politécnico da PUC Minas (Ipuc) e coordenador do Curso Superior de Tecnologia (CST) em Construção de Edifícios da PUC Minas Virtual, Rafael Arêdes Couto, explica que, com a destruição de inúmeras moradias e parte significativa da infraestrutura do estado, é necessário que, nesse momento de reconstrução, sejam implementados novos métodos e tecnologias que tragam melhorias expressivas para a população e para o meio ambiente.

Resiliência, sustentabilidade e comunidade

O aluno Darcy Gomes e a professora Elke Kölln | Foto: Guilherme Simões

Durante a Terceira Conferência Mundial da ONU, em 2015, sobre Redução de Riscos de Desastres (Sendai, Japão), foi apresentado o Quadro de Sendai para Redução de Riscos de Desastres 2015-2030. Com o objetivo de alcançar reduções significativas na perda de vidas, dos meios de subsistência e saúde, bem como dos ativos culturais, físicos, sociais e econômicos, nele são descritas quatro prioridades de ação para prevenir novos riscos e reduzir os existentes: resiliência na reconstrução, sustentabilidade, equidade e inovação. Para o professor Rafael Arêdes, essas novas demandas de construção sustentável exigem um profissional com conhecimento amplo, que reúna uma sólida formação em conteúdos básicos e técnicos associados, além do desenvolvimento de competências nas áreas ambientais, sociais e econômicas. Proposta presente nos cursos da área da construção civil da PUC Minas.

No currículo do curso de Engenharia Civil, em oferta desde o 1º semestre de 2020, há a disciplina Projeto Integrador I e II, que “busca oferecer aos alunos a oportunidade de desenvolver suas habilidades profissionais a partir de um caso real, desde o diagnóstico até o estudo de viabilidade, passando pelas propostas de solução, focados em conhecer as particularidades do problema”, explica a professora Elke Berenice Kölln, orientadora do Projeto Integrador I. Entre os projetos desenvolvidos durante o 2º semestre de 2024, um grupo de estudantes escolheu trabalhar a reconstrução no Rio Grande do Sul após a catástrofe. O aluno Darcy Vieira Gomes, um dos membros do grupo, explica que a escolha do tema veio da necessidade de pensar soluções de engenharia que envolvam não só a competência técnica e de inovação para o tema das mudanças climáticas, mas que também possam ser pensadas juntamente com as pessoas. “Nosso desafio no projeto é exatamente olhar para o mundo e ter uma visão quase que reversa das propostas que foram implementadas anteriormente para resolver o problema das pessoas e das cidades. Por que, além da mudança climática, elas não deram certo? É entender, por exemplo, que nas margens dos rios é preciso respeitar a mata ciliar e garantir sua existência. Que é necessário criar mais condições para os pavimentos permeáveis, aumentando suas áreas dentro das cidades”, afirma. A professora Elke Kölln completa, “no projeto, o nosso aluno precisa saber tecnicamente o que é preciso fazer, mas é instigado a pensar nessa solução de uma forma integralizada”.

Outra tecnologia presente nos cursos da área é a aplicação da metodologia Building Information Modeling (BIM), que está transformando a indústria da construção civil. “Com a elaboração de modelos digitais detalhados e integrados, desenvolvendo construções sustentáveis e infraestruturas eficientes, o BIM não só melhora a qualidade dos projetos, mas também promove boas práticas em diversas áreas”, explica o professor Rafael Arêdes. De acordo com ele, a utilização da tecnologia tem contribuído para alcançar Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU). Essa metodologia está presente em todo o CST em Construção de Edifícios. Além disso, os alunos desenvolvem os projetos de eixo com duração de um período, durante o curso. Os projetos conduzem o aprendizado na prática a partir de casos reais. A aluna Bárbara da Cunha Dias, moradora de Joinvile-SC, participou do desenvolvimento de um projeto de habitação social com base no conceito de habitabilidade, que envolve a participação da comunidade afetada na busca por soluções. “Você pode, por exemplo, usar materiais locais e trabalhar com as pessoas da comunidade, gerando emprego e engajando as pessoas”, diz Bárbara. Esse envolvimento das comunidades afetadas é, inclusive, parte essencial dos processos de reconstrução, segundo os professores entrevistados.

Solidariedade e engajamento

A capacidade de mobilização da própria comunidade atingida é um fator que também pode ser observado nas análises. Adriana Rodrigues e Luana Cavalcanti, citadas no início da matéria, após conseguirem se hospedar na casa de amigos, perceberam a necessidade de também ajudar quem estava mais vulnerável. Juntas, organizaram um coletivo nas redes sociais com outras cinco mulheres da capital para promover diversas ações para arrecadação de fundos e compra de itens que atendessem as necessidades mais urgentes dos desabrigados. “Todas as manhãs a gente entrava em contato diretamente com os responsáveis dos abrigos para saber quais eram os itens mais necessários. Logo depois, saíamos de casa para ir aos atacadões comprar mantimentos e também a municípios próximos para procurar água”, conta Adriana. Esses exemplos podem mostrar questões complementares, como capacidade de empatia e mobilização nas comunidades, que auxiliam os alunos a entenderem mais sobre as pessoas que serão afetadas pelos projetos. “Afinal de contas, o que a gente conhece sobre a forma dessas pessoas viverem? Não podemos pensar a partir da nossa maneira de viver quando propomos as soluções. Isso pode não ter nada a ver com a realidade das pessoas”, explica a professora Elke Kölln.

SAIBA MAIS

Building Information Modeling (BIM) traduz-se como Modelagem de Informação da Construção e é um conjunto de tecnologias, processos e políticas que permite que várias áreas de atuação possam, de maneira colaborativa, projetar, construir e operar uma edificação ou instalação.