Patrimônio natural

O potencial científico, didático e turístico da Serra do Espinhaço
Patrícia Rosa Aguiar analisou o potencial científico, didático e turístico de três parques estaduais localizados na região identificada como Espinhaço Setentrional Mineiro | Foto: Patrícia Aguiar
Patrícia Rosa Aguiar analisou o potencial científico, didático e turístico de três parques estaduais localizados na região identificada como Espinhaço Setentrional Mineiro | Foto: Patrícia Aguiar

São mais de mil quilômetros de extensão que partem de Ouro Branco, na região central de Minas Gerais, até a Chapada Diamantina, na Bahia. Nesse percurso, 172 municípios são atravessados, enquanto as paisagens variam entre três dos seis biomas brasileiros: Cerrado, Caatinga e Mata Atlântica. Considerada a única cordilheira do Brasil, com 90% do seu território no Sudeste e 10% no Nordeste, a Serra do Espinhaço é a maior cadeia de montanhas do país e a segunda maior da América Latina. Além da biodiversidade abundante, o processo de ocupação territorial da região está integrado com a história de Minas Gerais, devido a sua riqueza mineral, como a presença dos diamantes que motivaram sua ocupação em meados do século XVIII. A paisagem imponente, onde natureza e história se misturam, é, em todos os aspectos, muito vasta para não ser vista.

O Espinhaço é uma potência. Tanto que recebeu o status de destino turístico oficial do Governo do Estado de Minas Gerais. A decisão foi oficializada em 2023, por meio de uma parceria entre Secretaria Estadual de Cultura e Turismo de Minas Gerais (Secult) e as prefeituras de Botumirim, Cristália, Grão Mogol, Itacambira e Turmalina, municípios do Norte de Minas e do Vale do Jequitinhonha, localidades com grande potencial turístico, mas ainda pouco exploradas. A proposta é estimular o ecoturismo da região que, afora as montanhas, possui cavernas milenares com pinturas rupestres, cânions, lagos, rios, cachoeiras e trilhas de diferentes níveis, além de ser ponto de observação de espécies silvestres, como a rolinha-do-planalto, uma das aves mais raras do planeta: 12 espécimes foram descobertos em 2015, em Botumirim, após 75 anos sem registros de sua ocorrência.

Mas, para que o aproveitamento da região seja sustentável, explorando as suas possibilidades, mas sem desequilibrar a biodiversidade, é necessário investimento em educação ambiental. Foi pensando nessa necessidade que a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) criou, em 1972, a Reserva da Biosfera (RB), um modelo de gestão integrada, participativa e sustentável dos recursos naturais, desenvolvido em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), por meio do Programa Man and the Biosphere (MAB). As Reservas da Biosfera são o principal instrumento do MAB e compõem uma rede mundial de áreas que têm por finalidade a pesquisa cooperativa, conservação do patrimônio natural e cultural e promoção do desenvolvimento sustentável. Existem atualmente 748 Reservas da Biosfera presentes em 134 países. No Brasil, há apenas sete. A Serra do Espinhaço é uma delas.

Cada Reserva é um centro de monitoramento, pesquisas, educação ambiental e gerenciamento de ecossistemas, bem como centro de informação e desenvolvimento profissional dos técnicos em seu manejo. Seu gerenciamento é feito pelo trabalho conjunto de 24 instituições governamentais, não governamentais, centros de pesquisa e instituições de ensino. Esta integração busca ao atendimento às necessidades da comunidade local e o melhor relacionamento entre os seres humanos e o meio ambiente.

Iniciativas integradas

Prof. Miguel Andrade: coordenador da Rede Brasileira de Reservas da Biosfera, coordenador do Comitê Estadual da Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço e membro do Comitê de Sustentabilidade da PUC Minas | Foto: Guilherme Simões

A PUC Minas possui uma cadeira nesse conselho desde a sua origem, representada pelo Prof. Miguel Ângelo Andrade, do Departamento de Ciências Biológicas, que também é coordenador da Rede Brasileira de Reservas da Biosfera e coordenador do Comitê Estadual da Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço, instituído pelo Governo do Estado de Minas Gerais em 2006. O objetivo desse comitê, assim como dos conselhos de áreas protegidas, como a RB, é promover ações em cumprimento às funções de conservação, desenvolvimento econômico de base sustentável e promoção de conhecimento científico e conhecimento tradicional. E, desde 2023, o turismo faz parte desse escopo.

Por meio de sua representação, a Universidade coordenou a fase de reconhecimento da Serra do Espinhaço como Reserva da Biosfera junto à Unesco, em 2005, e a revisão periódica do título, feita a cada dez anos. A Universidade também coordenou a segunda fase, que estendeu de 93 para 172 os municípios que constituem a Reserva. “Atualmente, a PUC Minas participa da coordenação do reconhecimento de Mosaicos de Unidades de Conservação (UC) federais. Esse instrumento de gestão territorial é uma excelente prática dentro da RB no processo de descentralização e regionalização. Temos, por exemplo, os Mosaicos de UC do Quadrilátero Ferrífero, da Serra do Cipó, do Alto Jequitinhonha – Serra do Cabral, e agora estão sendo criadas de novas unidades de conservação no Norte de Minas, pensando em fortalecer a governança nessa região ainda bastante carente de programas e projetos socioambientais”, explica o professor.

A região foi objeto de estudo de Patrícia Rosa Aguiar em sua tese, desenvolvida no Programa de Pós-graduação em Geografia – Tratamento Espacial, defendida em 2023. Ela analisou o potencial científico, didático e turístico, bem como o risco de degradação das UC de três parques estaduais localizados em uma região identificada como Espinhaço Setentrional Mineiro: Parque Estadual de Botumirim, Parque Estadual de Grão Mogol e Parque Estadual de Serra Nova e Talhado. “A região é um hotspot de endemismo, com muitas espécies de plantas e animais que não são encontradas em nenhum outro lugar do mundo. É importante citar também a relevância hidrológica, pois na região há várias nascentes e rios que abastecem importantes bacias hidrográficas de Minas Gerais. Além da biodiversidade, a área tem um grande valor cultural, abrigando comunidades tradicionais que dependem dos recursos naturais locais e possuem um vasto conhecimento sobre o manejo sustentável desses recursos”, explica Patrícia, sobre os motivos que a levaram a pesquisar a região.

O trabalho de campo foi realizado em 33 geossítios presentes nas três UC e entorno, com o acompanhamento dos condutores ambientais dos parques e guias locais. A pesquisa evidenciou que muitos atrativos com alto potencial são subaproveitados. “É muito importante capacitar os agentes locais, guias, condutores, rede hoteleira, todos envolvidos no mercado do ecoturismo para o melhor aproveitamento do potencial da região. Espero que os resultados da pesquisa, bem como os roteiros geográficos gerados, contribuam para a disseminação de informações do patrimônio natural das UCs e auxilie os docentes em sua prática pedagógica. Os roteiros também foram enviados aos gestores e condutores ambientais das UCs e disponibilizados de modo digital, para que fique mais acessíveis a todos os interessados no site”, afirma.

O Prof. Dr. Alecir Antônio Maciel Moreira, orientador da tese, observa que os modelos tradicionais de desenvolvimento econômico passam, quase sempre, pelo uso intensivo de recursos naturais, industrialização e comercialização em larga escala. O Espinhaço não possui esse perfil, salvo locais e momentos históricos específicos, o que justifica seu relativo vazio demográfico. Se, de um lado, isso constituiu um dificultador de manutenção de população e crescimento econômico, por outro, acabou por criar práticas de uso da terra menos agressivos ao ambiente, o que ajudou a manter um razoável estado de conservação de seus espaços e recursos.

“Hoje, esses territórios detentores de melhor qualidade ambiental são pensados através de outras formas de uso de recursos e outras perspectivas. O Espinhaço pode prestar grandes serviços ecossistêmicos. Isso pode-se dar, por exemplo, por meio do fornecimento de água, fixação de carbono em seus solos, etc. Além disso, é um laboratório a céu aberto para o ensino de diversos campos disciplinares. Fora isso, sua beleza está começando a atrair uma atividade econômica teoricamente menos lesiva ao ambiente, como o ecoturismo. Assim, as UCs, por exemplo, podem se transformar em importantes atratores de recursos”, explica o docente do Programa de Pós-graduação em Geografia. Ele pondera, entretanto, a necessidade de investimento em infraestrutura, como melhor acesso às malhas rodoviária, ferroviária e aérea; melhorias no setor hoteleiro; e desenvolvimento de produtos e arranjos produtivos e turísticos. “E, finalmente, há que se promover o conhecimento do público a tudo isso. Boa parte da população brasileira sequer conhece esse território”, observa.

Juventude: o futuro e o presente

Ana Bernardes, estudante do Curso de Ciências Biológicas da PUC Minas e coordenadora-geral da Rede de Jovens da Reserva da Biosfera do Espinhaço | Foto: Guilherme Simões

Uma das estratégias do Programa Man and the Biosphere (MAB) para contribuir com a Agenda 2030 e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) é incentivar o envolvimento precoce em causas socioambientais. Para proporcionar esse engajamento, cada RB conta com um grupo de jovens ligado às suas atividades. A Rede de Jovens da Reserva da Biosfera se organiza em eixos de atuação: Gestão e Governança, Comunicação e Integração, Pesquisa e Monitoramento e Educação e Formação para o Desenvolvimento Socioambiental. Por meio dos eixos, são desenvolvidas atividades como palestras, oficinas e minicursos, entre outros.

“As principais atividades do grupo são pela conservação e preservação dessas regiões, além da luta pela comunidade que nela vivem. Buscamos trabalhar em conjunto com os parceiros e jovens que ocupam esse território, com o intuito de identificar e atuar nos principais desafios enfrentados por eles no que diz respeito à valorização da riqueza cultural, biológica e social. Meu trabalho gira em torno de gerir pessoas e guiá-las nessa jornada de amor pelo Espinhaço”, explica Ana Bernardes. A estudante do Curso de Ciências Biológicas da PUC Minas é coordenadora-geral da Rede de Jovens de Reserva da Biosfera do Espinhaço (RJ-RBSE) e coordenadora do eixo de Gestão e Governança.

No primeiro semestre deste ano, o grupo promoveu, em parceria com o Centro de Integração para Sustentabilidade Ambiental (Cisal) e os cursos de Ciências Biológicas e Geografia da PUC Minas, o Circuito Espinhaço, encontro com o intuito de promover o conhecimento acerca de importantes aspectos que compõem a Serra do Espinhaço, destacando a relevância e o valor desse território, bem como a sensibilização ambiental no enfrentamento dos impactos socioambientais que podem comprometer o ecossistema.

A Profa. Virgínia Simão Abuhid ressalta que a iniciativa, assim como as demais atividades do Cisal e da Universidade, está alinhada às diretrizes da Laudato Si’, encíclica do Papa Francisco, publicada em 2015, sobre o cuidado com a Casa Comum, ou seja, o planeta. “É uma ação que está inteiramente alinhada aos nossos propósitos e ao que o Cisal se propõe a fazer: trabalhar em prol dNo Waste-Da sustentabilidade, mas, especialmente, a partir da formação de pessoas, da educação para a sustentabilidade e da cooperação em ações e iniciativas que dialogam com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), que são a nossa âncora, assim como é uma âncora o princípio da Ecologia Integral descrito pelo Papa”, explica a coordenadora do Cisal.

Atualmente, a RJ-RBSE tem cerca de 20 participantes. Para participar, é necessário ter entre 18 e 35 anos e residir na região de atuação do grupo. E toda ajuda é bem-vinda. “Ao contrário do senso comum, os jovens não são o futuro. Eles são o presente. As mudanças climáticas já estão acontecendo. É preciso trazer novas ideias, muita energia para atuar e força de vontade para quebrar barreiras agora. Isso é facilmente encontrado nos jovens. Nosso intuito não é mudar o mundo em um estalar de dedos. Queremos mudar a realidade à nossa volta e mostrar para todos que eles também são capazes disso”, afirma Ana Bernardes.

O Prof. Miguel Andrade ressalta que a participação ativa da PUC Minas no programa da Unesco reforça não só a Missão da Universidade na promoção do desenvolvimento socioambiental, por meio da formação humanista, científica e tecnológica de profissionais engajados, observando os valores da ética, da solidariedade e do bem comum, como também suas iniciativas associadas à internacionalização. “Nós participamos de um plano de ação mundial, participamos ativamente da discussão e definição de políticas públicas, enfim, uma série de ações correntes que são importantes tanto para o nosso propósito de formação, uma vez que temos vários alunos e professores envolvidos, tanto para poder oferecer os serviços que a PUC Minas têm com tanta qualidade”, defende.