Qual a tática (ou táticas) para se suplantar o discurso de ódio, tão propagado em nossa sociedade?
O conceito de guerra precisa ser retomado para essa reflexão. Seus elementos são claramente utilizados nos dias de hoje, como na chamada “Guerra Híbrida”. Ainda que haja diferenças, desestabilizar o outro, vencer com menor número de danos e maior inteligência e conhecer o terreno no qual atua são pontos fundamentais.
E, na disputa de espaço que é traçada, sempre novos elementos devem ser considerados. Um desses pontos é a Teoria do Caos, que nada tem a ver com seu conceito usual, de uma suposta “balbúrdia”. Na prática, é um movimento bem arquitetado e orquestrado, que sabe muito bem se colocar em sistemas grandes e em permanente transformação, como a sociedade.
Um de seus elementos mais importantes é a energia de conflito dos atores individuais. As pessoas, supostamente agindo de forma individual, são psicologicamente ligadas para atenderem a comandos maiores aos quais, na maioria das vezes, nem imaginam estarem presas.
Aliás, essa abordagem indireta é um outro ponto da tática: os realmente interessados nos resultados finais (ou seja, seus beneficiários) não se apresentam no palco do jogo, mas são os reais manipuladores e grandes vencedores de toda a situação.
Em cima dessa lógica, o ódio é amplamente usado como instrumento de conexão entre os diversos indivíduos, que aparentemente são bastante homogêneos; porém, se unem dentro de verdadeiros “formigueiros”.
A teoria dos formigueiros se demonstra muito apropriada para explicar toda a situação posta: um coletivo de pessoas, que aparentemente não possuem entre si uma segmentação hierárquica, sem maiores pontos de contato, mas que agem claramente a partir de uma voz de comando. Seja um disparo de fake news em uma rede social, um pedido de mobilização etc. Não se tem clareza de onde parte a ordem dada, mas certamente dentro de uma sequência caótica há uma estrutura muito bem pensada.
Tem-se um sistema binário bem construído: mesmo nessa diversidade de posições, há um conflito bem definido entre nós e eles. O binarismo já se colocou em vários momentos da história, seja na construção do próprio conceito de Modernidade, seja de forma mais contemporânea no fascismo.
A destruição de tudo que está posto, sejam as instituições, partidos políticos tradicionais e a chamada grande mídia, é fundamental, pois “eles” representam tudo que há contra “nós”.
Nessa verdadeira guerra de afetos, os momentos de crise intensificam os elos de egoísmo e ódio ao outro. Pessoas levadas aos seus limites preferem criar uma perspectiva de vitimização e transferir a terceiros (a um inimigo muitas vezes invisível) a responsabilidade por seus fracassos e frustrações.
Aliás, a concepção acima exposta leva a uma clara perda da identificação de uma pessoa como classe social (se tornando mero elemento de um algoritmo) e, por consequência, uma percepção da luta como tal. Isso obviamente só contribui para o enfraquecimento de uma das partes na disputa de poder, e o fortalecimento da outra que inteligentemente traçou todos os caminhos e tem chegado aos seus objetivos.
A mentira é também usada como máquina de propaganda, difamação e destruição das concepções preexistentes.
E aí é que entra a importância de se reforçar o debate e aprofundamento da ideologia.
E as pautas chamadas identitárias não são o caminho adequado para isso. Sem dúvida possuem um apelo popular muito maior do que uma discussão mais generalista causada pelas ideologias; é mais fácil se sentir identificado, pois a conexão naturalmente é mais pessoal, chegando a afetos muito próprios de cada indivíduo envolvido.
Entretanto, não se pode fazer a afirmação de que tais pautas estão ligadas de imediato a uma ideologia de direita ou de esquerda. Podemos ter pessoas de esquerda, mas que têm enorme dificuldade de lidar com pautas identitárias feministas; ou pessoas de direita que sejam militantes de pautas em favor da diversidade (LGBTQIA+).
Enquanto tática, o identitarismo pode ser utilizado para se ter avanços ou servir como instrumento de pressão para passos mais concretos e definitivos; porém, definitivamente não possui fim em si mesmo, não podendo esgotar toda a discussão dos movimentos sociais.
Se, por um lado alguns grupos mais progressistas identitários nascem para fazer o contraponto ao ódio, na prática acabam entrando no mesmo binarismo que preserva o sistema – até porque vale lembrar que o identitarismo não é exclusividade de um único campo ideológico: é muito bem empregado, por exemplo, pela extrema direita.
Atacar apenas pontualmente alguns aspectos jamais irá atingir a real transformação desejada.
Mais uma vez: sem a superação das contradições existentes, sem a desconstrução do modelo que cria todo sistema de relação binária, não há como se ter a formação de novas concepções a partir da perspectiva de isolacionismo militante. Somente compreendendo o todo é possível realizar alguma superação.