Raio-X da Economia

Estudo realizado pelo projeto de extensão Economia Solidária (Ecosol) contou com o envolvimento de professores e mais de 100 alunos da área gerencial
Há 21 anos Silvana Assis criou a Cooperativa Solidária dos Recicladores da região do Barreiro | Foto:  Nathália Farnetti
Há 21 anos Silvana Assis criou a Cooperativa Solidária dos Recicladores da região do Barreiro | Foto: Nathália Farnetti

Foi por meio de um gesto de solidariedade que a catadora de materiais recicláveis Silvana Maria Leal de Assis, de 65 anos, conseguiu reunir forças para levar adiante a cooperativa que havia fundado, ao mesmo tempo em que se desdobrava para cuidar das filhas pequenas. “Eu trabalhava só meio horário, então dava para cuidar das minhas filhas e estar no trabalho. Agradeço muito a cada cooperado; esse momento foi muito difícil pra mim”, conta a catadora, que em 2003 fundou a Cooperativa Solidária dos Recicladores e Grupos Produtivos do Barreiro e Região (Coopersoli), que integra a rede de Economia Popular Solidária da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). De lá para cá, foram muitos outros desafios enfrentados, que permitiram a ela se desenvolver e conquistar, nas suas palavras, uma “vida digna”.

As dificuldades encontradas por Silvana são similares às enfrentadas por inúmeros participantes da Economia Popular Solidária, conforme revela estudo realizado pelo projeto de extensão Economia Solidária (Ecosol), da PUC Minas, que contou com o envolvimento de professores e mais de 100 alunos da área gerencial. O levantamento enfatizou a necessidade de inovação e melhoria na gestão para garantir a sustentabilidade dos empreendimentos solidários a longo prazo. A base para o diagnóstico é a metodologia Isonoma, certificada como tecnologia social pela Fundação Banco do Brasil e aplicada ao projeto como ferramenta de diagnóstico, capacitação e desenvolvimento dos empreendimentos, focando na melhoria das práticas de gestão e na adoção de inovações tecnológicas que promovam a sustentabilidade e a inclusão social.

“O estudo evidencia a relevância das tecnologias sociais e das inovações gerenciais para o sucesso e a sustentabilidade dos empreendimentos de Economia Solidária na RMBH”, explica a Profa. Dra. Soraya Pongelupe, coordenadora do projeto.

Elizabete Rosa Soares compõe o perfil predominante dos integrantes da Economia Solidária em que 67% dos integrantes reside na RMBH e têm idade igual ou superior a 50 anos | Foto: Nathália Farnetti

Para a sua elaboração, a pesquisa contou com o apoio do programa de extensão Ideias Lab: incubadora de desenvolvimento econômico e social, que ofereceu qualificação aos empreendedores solidários. “A capacitação em gestão proporciona aos grupos de Economia Solidária as ferramentas necessárias para melhorar a eficiência e sustentabilidade de seus negócios. Isso inclui habilidades em planejamento, controle financeiro, processos logísticos, marketing e tomada de decisões estratégicas, além da autonomia e a inclusão social e econômica”, explica o professor Osvaldo Maurício de Oliveira, coordenador do Ideias e do Hub de Extensão, setor da Pró-reitoria de Extensão (Proex). Para os alunos, reforça, foi uma oportunidade de praticar os conceitos teóricos aprendidos em sala de aula e desenvolver competências empreendedoras.

Mulheres não brancas são maioria

A pesquisa revelou que a maioria (67%) dos integrantes da Economia Solidária reside na RMBH e tem idade igual ou superior a 50 anos. Observou-se uma predominância de mulheres não brancas (69%), com baixa escolaridade e desafios econômicos, o que destaca a importância da iniciativa como uma ferramenta de inclusão social. Comparando com estudos nacionais, o perfil da RMBH se diferencia pela maior participação feminina e por uma abordagem mais focada na geração de renda como alternativa ao desemprego. A predominância de feiras e eventos como principais canais de comercialização também reflete a adaptabilidade desses empreendimentos em um ambiente econômico dinâmico e desafiador.

“Esse dado é muito importante porque mostra o nível de fragilidade e importância que a Economia Solidária demonstra para esse público, uma vez que as famílias chefiadas por mulheres dependem dessa renda ou complementam a renda com essa atividade econômica”, afirma a professora Soraya Pongelupe, ressaltando o impacto que essa geração de renda tem na sociedade como um todo e também na inclusão das mulheres no mercado de trabalho.

Alternativa viável

A professora Soraya Pongelupe coordena o projeto Economia Solidária | Foto: Nathália Farnetti

O secretário do Fórum Municipal de Economia Popular Solidária de Belo Horizonte, Aelson Pereira dos Santos, concorda que a iniciativa é uma alternativa viável à escassez de oportunidades no mercado de trabalho. “Com a Economia Solidária não existe empregado; são empreendimentos autogestionários”, afirma. De acordo com ele, que atua desde 2000 no ramo de confecção, todos participam da Economia Solidária em igualdade de condições, detendo o mesmo poder. Ele ressalta a diversidade de empreendimentos – artesanato, alimentação, cosméticos, limpeza, prestação de serviços, reciclagem – e o fato de Belo Horizonte estar “bem mais avançada” em relação aos demais municípios mineiros por exigir uma formação para atuar na Economia Solidária.

Embora haja avanços na Economia Solidária na RMBH, o estudo da PUC Minas indica que persistem desafios significativos, como a falta de políticas públicas específicas, a necessidade de crédito, a marginalização em relação à economia tradicional e a carência de capacitação técnica e gerencial. A análise de agrupamentos revelou dois grupos distintos de empreendimentos na RMBH: um com menor e outro com maior maturidade. O grupo de maior maturidade demonstrou uma adesão mais alta às práticas de gestão em todas as dimensões avaliadas, enquanto o grupo de menor maturidade apresentou uma aplicação mais limitada dessas práticas.

“Essa segmentação sugere a importância de estratégias diferenciadas de apoio e capacitação para os empreendedores com diferentes níveis de maturidade gerencial, de letramento digital e também de dificuldade individual”, analisa a professora Soraya.

Atenta à importância de se capacitar, a catadora de materiais recicláveis Silvana Maria Leal de Assis, fundadora da Coopersoli, conta que começou a participar de formações desde o início para entender com mais propriedade a Economia Solidária, inclusive com atividades na PUC Minas, antes da realização das feiras. “Foi a partir da Universidade que a gente teve também um norteador; não é fácil trabalhar esse coletivo, então a gente teve muito aprendizado”, conta. Segundo a catadora, participar de diversas formações a ajudou a desenhar o projeto da cooperativa, que completou em agosto 21 anos. “A gente costuma falar que a Coopersoli é uma família, e como toda família, também tem os seus desarranjos”, diz.

SAIBA MAIS

A PUC Minas promove anualmente o Seminário de Economia Popular Solidária e a Feira de Economia Popular Solidária. A proposta do seminário é refletir sobre um jeito diferente de produzir, com foco no ser humano, por meio da cooperação e fortalecimento dos grupos. Já durante a Feira da Economia Solidária os expositores comercializam produtos como artesanato, cosméticos, bolsas, acessórios, entre outros. A iniciativa segue práticas econômicas norteadas pela solidariedade, autogestão, cooperação e dimensão econômica.