Redes deformadoras

O fenômeno da internet, especialmente quando começou a se propagar de forma mais intensa na virada do século, provocou na humanidade múltiplos sentimentos de entusiasmo e de expectativa. A grande rede trazia a novidade de democratizar o acesso a informações, gerando inclusão, possibilitando aos cidadãos formular decisões mais lúcidas sobre temas relevantes. Mas, com o tempo, o sonho tornou-se distopia, pois o ambiente digital deu vazão a descompassos que habitam a interioridade humana. Se a rede intensificou o intercâmbio de saberes, favoreceu também a manipulação de informações, seguindo critérios pouco nobres, a serviço de interesses egoístas. Assim, ao invés de dar adequada forma às consciências, os fluxos digitais, não raramente, constituem instrumento para deformar o senso crítico da humanidade.

“A educação faz despertar um senso crítico capaz de reconhecer inverdades. E uma adequada ordenação legal, orientada para o bem comum, dificulta a ação de quem se vale das redes para disseminar desinformações, em nome de interesses pouco nobres”
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Grão-chanceler da PUC Minas,
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte

A quem essas redes deformadoras servem? De que modo agem? O que é ou não crível no ambiente digital? Essas e tantas outras questões inerentes aos impactos sociais da internet são de resposta difícil. Por trás das imagens e dos textos, dos links e outros conteúdos audiovisuais estão pessoas com interesses variados, nem sempre orientados pela ética. E, para além das interfaces, é preciso considerar o emaranhado de códigos, de linguagens e de mecanismos tecnológicos programados para selecionar o que as pessoas vão, ou não, receber em seus dispositivos digitais. Esses códigos, mecanismos e linguagens ficam ocultos, dando a falsa sensação de autonomia e de liberdade na rede, quando, na verdade, grandes conglomerados econômicos, que dominam as chamadas big techs, são os capitães dos navios que conduzem a humanidade nas navegações pela internet.

Apesar dessas ameaças potencializadas pelo ambiente digital, a humanidade não se pode deixar contaminar pelo medo em relação às redes. Ao invés disso, devem ser enfrentados os muitos males que corrompem o coração humano e que também modulam a apropriação das mais diversas tecnologias. Esse enfrentamento demanda um grande e forte mutirão para reconhecer os mecanismos de desinformação e seus agentes, com aprimoramentos legais e investimentos educacionais, para conferir mais transparência, lisura e senso crítico no tratamento e na disseminação de dados. A educação faz despertar um senso crítico capaz de reconhecer inverdades. E uma adequada ordenação legal, orientada para o bem comum, dificulta a ação de quem se vale das redes para disseminar desinformações, em nome de interesses pouco nobres.

Como discernir o que é verdade nas redes digitais? O Papa Francisco oferece importante pista, em mensagem para o 52º Dia Mundial das Comunicações Sociais: “Para discernir a verdade, é preciso examinar aquilo que favorece a comunhão e promove o bem e aquilo que, ao invés, tende a isolar, dividir e contrapor.” A verdade, conforme ensina o Papa Francisco, não pode ser imposta. “Brota de relações livres entre as pessoas, na escuta recíproca.” O ambiente acadêmico pode decisivamente contribuir nesse imprescindível exercício do discernimento, do diálogo e no combate ao que cria divisões, ajudando a debelar as redes deformadoras, que corrompem a consciência humana.

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