Um raio X da tecnologia

Pesquisa revela que inteligência artificial pode auxiliar no diagnóstico de Covid e aponta para um futuro cada vez mais tech
O professor Wiliam Regone, do Curso de Engenharia de Produção do Campus Poços de Caldas, desenvolveu a pesquisa com a colaboração da aluna Vitória Caprioglio Oliveira | Foto: Fernanda Garcia

O impacto da tecnologia sobre o ser humano pode ser fascinante, mas costuma ter prazo de validade. Ao passo que geram frisson e despertam curiosidade, os novos artefatos – quando acessíveis – tendem a ser rapidamente incorporados na rotina. Não demora até que passem quase despercebidos, por mais complexos que sejam.

O uso dos raios X é prova disso. Este tipo de radiação eletromagnética foi descoberto no fim do século XIX e, hoje, está presente em diversas tecnologias que utilizamos cotidianamente, com destaque para a área da saúde. Quem nunca se submeteu a um exame de imagem para verificar uma lesão ou fratura, por exemplo?

Durante a pandemia de Covid-19, radiografias têm desempenhado papel importante. O teste ainda é a forma mais segura de diagnosticar a presença do vírus no organismo, mas o raio-X ajuda a identificar a gravidade do quadro e possibilita observar características frequentes da infecção provocada pelo coronavírus em áreas como o pulmão.

Poderia um computador compreender esses traços comuns e auxiliar médicos no diagnóstico de Covid com base em radiografias torácicas? Essa é a pergunta que motivou o professor Wiliam Regone, do Curso de Engenharia de Produção do Campus Poços de Caldas, a desenvolver um projeto de pesquisa financiado pelo Fundo de Incentivo à Pesquisa (FIP/PUC Minas) e concluído no fim de 2021, com resultados divulgados a partir de agora por meio de artigos e apresentações em congressos.

Ensinando a máquina

O projeto consistiu no desenvolvimento de um sistema computacional capaz de diferenciar radiografias de pulmão, comparando e identificando quais delas correspondem a quadros de pessoas saudáveis ou pacientes de Covid. Mil e quinhentos raios X reais formaram o banco de imagens que um algoritmo, desenvolvido por rede neural convolucional (RNC), interpretou com impressionante precisão.
A RNC permite obter padrões de imagens e aprender suas características. Diferentes camadas de dados formam uma rede projetada em dimensões. Por isso, usa-se a convolução, um tipo de operação matemática entre dimensões. O resultado é a representação das imagens por meio de matrizes, com as quais o sistema é capaz de trabalhar para melhorar a qualidade de imagens de raio-X e identificar a atuação do vírus da Covid no organismo.

O índice de acurácia, que determina a exatidão da análise, variou entre 94% e 95% em dois modelos utilizados. Isso significa que, de cada 100 imagens analisadas, 94 ou 95 foram identificadas de maneira correta. Esta média foi obtida a partir de uma análise geral, mas a precisão na identificação de radiografias de quadros de Covid foi ainda mais surpreendente: chegou a 99% em um dos modelos de análise.
Para o professor Wiliam, tais resultados mostram que esta solução tecnológica poderia auxiliar os médicos na previsão de diagnósticos, mas ele considera que os insights oferecidos pela pesquisa vão muito além de sua aplicação prática. Variadas tendências atuais em tecnologia se observam no estudo, como machine learning (aprendizado de máquina), deep learning (aprendizagem profunda), programação e internet das coisas. Elas apontam para a ampliação de conexões mediadas pela tecnologia em todas as áreas, especialmente nas engenharias.

Mão de obra qualificada

A pesquisa contou com a colaboração de uma bolsista, a aluna Vitória Caprioglio Oliveira, que está no oitavo período de Engenharia de Produção no Campus. Ela havia tido contato com o professor Wiliam em disciplinas do curso, entre elas uma que envolve programação. Então, viu no projeto uma oportunidade de aprofundar conhecimentos e explorar outras possibilidades.

Hoje, Vitória avalia que a experiência contribuiu para identificar aptidões e interesses, qualificar seu currículo e aproximá-la da pesquisa, o que facilita a produção do seu trabalho de conclusão de curso. A estudante também refletiu, durante o processo, sobre o cenário profissional que encontrará depois de formada. “Em todos os sentidos, o mundo da inteligência artificial tende a trazer melhorias e pode ser encontrado em qualquer sistema. Muita gente pensa que isso tirará empregos, mas não vejo dessa forma. Máquina também erra, então precisaremos cada vez mais de mão de obra qualificada”, destaca.

O coordenador do Curso no Campus, professor Neil Paiva Tizzo, contextualiza: “A necessidade de se fazer com que os processos produtivos sejam cada vez mais eficientes e adaptados à complexa sociedade moderna tem causado profundas mudanças nas linhas de produção. Um dos seus aspectos mais visíveis é o uso intensivo e integrado de tecnologias que visam não somente a automação de processos, mas também a qualidade dos produtos e a economia de recursos, tanto humanos quanto naturais.”

É aí que entram aquelas tendências destacadas pelo professor Wiliam e reforçadas pelo professor Neil. Visão computacional, inteligência artificial e aprendizado de máquina são conceitos que se encontram na chamada Indústria 4.0, como explica o coordenador. Para ele, o cenário evidencia a relevância desta pesquisa, por explorar algo que o ambiente de trabalho já demanda e demandará cada vez mais dos profissionais da área.

No fim das contas, as radiografias analisadas pelo professor Wiliam e pela aluna Vitória revelam muito mais do que a presença ou ausência do coronavírus em organismos. Um diagnóstico mais amplo reflete o irrefutável avanço da tecnologia na mudança de mentalidade que está em curso – e é irrefreável. “Este é o futuro e nós, da PUC Minas, estamos muito antenados. Todos os cursos de Engenharia caminham para isso”, avalia o docente.