O Brasil vive uma crise de saúde mental. No ano de 2021, em meio à pandemia de covid-19, a revista Você RH trouxe dados de uma pesquisa da USP em que encabeçávamos a lista de países mais ansiosos do mundo, com 63% de quadros de ansiedade e 59% de quadros de depressão. Em 2024, a revista Forbes reiterou os dados: o Brasil registrou o maior número de afastamentos por transtornos mentais em dez anos, com 472 mil licenças concedidas, um aumento de 67% em relação ao ano anterior. Dentre o grupo de pessoas mais afetadas estão as mulheres, com 63,8% dos afastamentos. As principais razões para o adoecimento são: sobrecargas de trabalho, jornadas exaustivas, assédio e ambientes tóxicos.
Para tentar diminuir tal quadro, assistimos a várias iniciativas provindas de empresas, políticas públicas e propostas parlamentares, dentre elas a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) contra a escala 6×1, protocolada na Câmara dos Deputados por Érika Hilton em fevereiro de 2025, contando com 234 assinaturas. A proposta visa mudar a Constituição no que tange à jornada dos trabalhadores de cinco vezes por semana ou 44 horas semanais para quatro vezes por semana ou 36 semanais. A deputada defende o aumento no tempo livre de descanso como uma solução para impactar diretamente uma melhora da produtividade e da qualidade de vida dos trabalhadores.
Como era de se esperar, a temática vem dividindo a opinião pública nos últimos meses entre grupos a favor e contra. Neste artigo, busco contribuir com uma análise favorável, olhando a proposta a partir da perspectiva do gênero.
A chegada do capitalismo traz consigo a divisão sexual do trabalho. Para que esse sistema exista e se sustente, é preciso que a reprodução social e as tarefas do cuidado estejam garantidas e, sendo assim, as duas tarefas vão ser “naturalmente” atribuídas às mulheres, já que somos as únicas capazes de procriar. Mas o que isso tem a ver com a escala 6×1?
O gênero é uma camada que não pode ser desconsiderada nessa conversa. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres fazem 85% do trabalho do cuidado no Brasil: enquanto nós dedicamos em média 21 horas de trabalho semanais ao cuidado, os homens usam apenas 11 horas para isso. Há uma invisibilidade naturalizada do trabalho doméstico em nossa sociedade. Após sair de uma jornada semanal de 44 horas, as mulheres têm mais uma jornada de trabalho em casa, cuidando da família e da limpeza, e ninguém se incomoda com isso a não ser quem está sentindo a sobrecarga na pele. Ao interseccionarmos as questões de raça e gênero, a situação se agrava mais; mulheres negras e pobres recebem salários mais baixos, costumam estar nos trabalhos por mais horas diárias e não contam com nenhuma ajuda para executar as tarefas do cuidado e, sendo assim, enfrentam longas horas de trabalho no terceiro turno.
Parafraseando Francoise Vergé, em seu livro Feminismo Decolonial, o capitalismo é uma economia que produz lixo e esse lixo deve desaparecer aos olhos de quem tem direito a uma vida boa; para isso é preciso que existam trabalhos invisíveis e vidas descartáveis, e são essas as vidas que cumprem a escala 6×1.
Embora sejam claras as melhoras que essa medida terá na vida de muitas mulheres caso a PEC seja aprovada, é necessário cuidado nos seus desdobramentos. É preciso que haja debate público e que as empresas que forem aderir a essa nova jornada entendam o seu propósito. Pois, caso contrário, corremos o risco de as mulheres sofrerem mais abusos, microagressões e assédios, o que iria somente agravar a sua saúde mental. Além disso, sabemos que a desigualdade salarial entre homens e mulheres é um problema social crônico a ser solucionado. É primordial que se pense estratégias para que essa diferença salarial não aumente caso a escala de trabalho seja alterada.
Não existem soluções simples para problemas complexos. Um passo importante foi dado com a proposta da deputada federal Érika Hilton. É preciso que continuemos o debate entendendo que um modelo de trabalho mais humano e saudável se faz urgente em nosso país, principalmente no que se refere à qualidade de vida das mulheres.