Exibido nos cinemas brasileiros em 2022, o filme Pureza retrata a história real de uma mãe que sai à procura do filho desaparecido descobrindo, posteriormente, que o mesmo havia sido aliciado para o trabalho rural em condições extremamente degradantes. A obra cinematográfica foi dirigida pelo cineasta Renato Barbieri, também autor do documentário Servidão, de 2024, que elucida um contundente registro do trabalho escravo contemporâneo. A divulgação da pré-estreia do documentário foi marcada, inclusive, pelo apoio da Delegacia Sindical do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho de Minas Gerais.
Apesar do trabalho escravo contemporâneo e do tráfico de pessoas já terem sido abordados em diferentes filmes, documentários, séries e livros, infelizmente em diversos países esses temas não são apenas obras de ficção.
De acordo com o artigo 149 do Código Penal brasileiro, configura-se o crime de trabalho escravo contemporâneo, o fato de submeter alguém a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.
Já o tráfico de pessoas foi inserido no Código Penal, no ano de 2016, com a seguinte definição: “agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de: I – remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo; II – submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo; III – submetê-la a qualquer tipo de servidão; IV – adoção ilegal; ou V – exploração sexual”.
No Brasil, apesar da lei assegurar os direitos humanos e fundamentais à população, muitas são as pessoas que, nos dias atuais, se veem vítimas desses crimes.
A todo o momento, assistimos o aumento de trabalhadores resgatados, na grande maioria das vezes, de fazendas onde eram mantidos em humilhantes condições de trabalho. Podemos tomar, como exemplo, o ano de 2023, que teve como marco o resgate de 3.190 pessoas no país. Este dado é alarmante e representa o maior número, em 15 anos, segundo dados do Ministério de Trabalho e Emprego. Nesse cenário, lamentavelmente, Minas Gerais lidera o ranking como o Estado com a maior quantidade de trabalhadores retirados de situações degradantes.
Como faces cruéis de uma mesma moeda, tráfico de pessoas e trabalho escravo são considerados graves violações de direitos humanos, exigindo respostas globais e multifacetadas, com mobilização de diferentes agentes como governos, organizações internacionais, empresas, instituições e sociedade civil.
Atenta a essa realidade, a PUC Minas criou, no último ano, uma Clínica de Combate ao Trabalho Escravo Contemporâneo e Tráfico de Pessoas no Campus Betim, por meio de um projeto de extensão inovador, que resulta de uma parceria firmada com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Em seu primeiro ano de atuação, a Clínica já prestou atendimento jurídico, além de acolhimento e acompanhamento psicossocial aos trabalhadores resgatados de trabalho rural, bem como a trabalhadoras resgatadas do trabalho doméstico; o que reforça a prática ilegal tanto em meio rural como em áreas urbanas.
Os atendimentos são feitos por alunos extensionistas, bolsistas e voluntários, sob a coordenação dos professores de suas respectivas áreas. Ao propor este projeto, a Universidade demonstra o seu compromisso com o desenvolvimento de profissionais engajados com a transformação social, que estarão aptos para diferentes tipos de intervenções, atuando de forma abrangente e eficaz nos mais diversos contextos sociais.
As vítimas, de maneira geral, são pessoas em situação de grande vulnerabilidade social que encontram, na Universidade, em nossos alunos e professores, o suporte jurídico e psicossocial capaz de auxiliá-las na reivindicação dos seus direitos, segundo a legislação brasileira, além de meios para superar questões subjetivas decorrentes dessa prática que avilta a dignidade humana.
Dessa forma, com a criação da Clínica na PUC Minas Betim, é válido ressaltar que assumimos um papel ativo e importante na luta contra o trabalho escravo e o tráfico de pessoas. Como centros de produção de conhecimento e incubadoras de agentes sociais, debruçamo-nos sobre tema complexo e multifacetado que exige ação conjunta do Estado, da sociedade civil e de diversas instituições para combatê-lo. São em iniciativas como essas, entre tantas outras, que concentramos os nossos esforços para a construção de uma sociedade mais justa, igualitária e livre de exploração.