“A gente parte da premissa que saúde não é somente ausência de doenças, saúde é um completo bem-estar físico, social, ambiental e espiritual; trazemos essa visão mais holística”, explica Hiago Herédia, integrante da comunidade dos Arturos e egresso do Curso de Fisioterapia do Campus Betim. Hiago se refere às ações da área de saúde do Projeto de Extensão Bem-viver Arturos, coordenado pela Profa. Jacqueline do Carmo Reis e pelo Prof. Dr. Gilberto Antônio Reis.
A iniciativa visa trabalhar com a saúde de forma mais ampla. “Não é um projeto em que as pessoas da comunidade vão ter atendimento médico, fisioterapêutico ou de enfermagem, é uma iniciativa para trabalhar essa saúde universal”, explica Hiago. Com foco nesse ponto de partida, a primeira ação realizada no projeto foi uma Análise de Situação de Saúde (Asis), realizada em grupo com extensionistas, professores e a comunidade.
A partir dessa análise, inúmeras questões foram apontadas, como a qualidade da alimentação, o acesso à Atenção Primaria à Saúde, a destinação de águas pluviais etc. No entanto, o ponto priorizado foi o acúmulo de lixo nas vias públicas do quilombo. “Trata-se de um problema complexo e multifatorial, que envolve políticas públicas e hábitos da comunidade”, explica a professora Jacqueline.
O foco inicial do projeto foi trabalhar na conscientização das crianças sobre coleta seletiva e reciclagem de lixo. A escolha do público infantil para essa ação teve uma intencionalidade. “É interessante essa perspectiva de trabalhar com crianças, porque, se tratando de uma comunidade tradicional, a nossa intenção é que a nossa cultura e a nossa memória não morram. Então, por que não começar com as crianças?”, levanta Hiago.
A iniciativa já rendeu frutos. Após a realização, Hiago recebeu um vídeo de Rosana Guimarães, professora e mãe do Lucas Luz, de 6 anos, que participou da ação e compartilhou seu conhecimento em casa. No vídeo, Lucas ensina à mãe qual é a diferença das cores das lixeiras e explica a importância da separação de lixo. Para Rosana, o que há de melhor nesse tipo de iniciativa voltada para as crianças é que elas acham que estão indo apenas brincar, mas é brincando que elas aprendem. “Meu filho foi com uma intenção e voltou todo renovado, cheio de informação de como o mundo se desenvolve e como é estar nele”, conta.
O Bem-Viver Arturos conta com extensionistas dos Cursos de Enfermagem, Fisioterapia, Medicina e Psicologia da PUC Minas. Para Alessandra Santos, aluna do Curso de Medicina e extensionista do projeto, a questão central da iniciativa é ser construída em conjunto com a comunidade. “Em nosso primeiro encontro, uma expressão me marcou quando as lideranças do quilombo questionaram outros projetos e ações com ‘visão do colonizador’, como se as propostas fossem baseadas na percepção de quem está fora, de forma impositiva sobre o que seria melhor para eles. Em nosso projeto, o protagonismo é todo da comunidade”, levanta.
O coordenador do projeto, professor Gilberto Reis, destaca a potência do encontro promovido pelo Bem-Viver Arturos. “A Extensão representa uma oportunidade ímpar de encontro do saber popular com o saber científico. Isso reduz o fosso cultural existente entre academia e população, proporcionando uma oportunidade de aprendizado para todos envolvidos”, afirma. Além disso, Gilberto conta que o projeto abriu a possibilidade da construção de um novo espaço e de novas estratégias pedagógicas para o ensino em saúde.
Demarcação de terras quilombolas
Sendo reconhecida como patrimônio cultural imaterial de Minas Gerais, a comunidade centenária dos Arturos é símbolo de resistência de povos tradicionais na região metropolitana de Belo Horizonte. Localizada no Bairro Vera Cruz, em Contagem, o quilombo dos Arturos é composto por sete gerações de descendentes de Artur Camilo Silvério e Carmelinda Maria da Silva e atualmente possui uma família composta por aproximadamente 670 pessoas, dentro e fora da comunidade.
De acordo com dados do Censo 2022, existem 3.583 comunidades quilombolas autodeclaradas no Brasil, porém apenas 147 são demarcadas. O quilombo dos Arturos está dentro dessa estatística de aproximadamente 96% de comunidades não tituladas. O Serviço de Assistência Judiciária (SAJ) do Campus Contagem atua, desde 2011, para assegurar os direitos da comunidade.
Luciano Mariano da Silva, advogado do SAJ que acompanha o processo, explica que a alternativa encontrada para possibilitar a efetivação desse direito foi por meio de usucapião, ou seja, aquisição das terras em função do tempo utilizado. Isso porque não existe, na prática, medidas nas esferas municipais, estaduais e nacionais para prever a efetivação da titulação dessas terras. “A questão é que temos na Constituição e legislações recentes uma norma programática, não uma garantia”, afirma. Ou seja, existe uma intenção teórica, mas não algo prático.
A ação tramita na 2ª Vara Empresarial, de Fazenda Pública e Registros Públicos da Comarca de Contagem. Um dificultador, segundo Luciano, é o fato do terreno possuir inúmeros proprietários: alguns falecidos, o que transfere o bem para seus herdeiros, e também existe uma empresa sem registros.
Para Hiago Herédia, a titulação das terras da Comunidade dos Arturos é uma questão urgente. “13 de maio de 1888, foi a abolição da escravatura. É uma lei com dois parágrafos, só isso. Então, o que tem além da escravidão? O que está nos bastidores? O que a população preta sofreu após o período da abolição? São 135 anos que a gente não tem o básico, que é o direito à terra, é absurdo”, indignou-se.
O Serviço de Assistência Judiciária da PUC Minas atende apenas pessoas físicas. Porém, a ação envolvendo a Comunidade dos Arturos é uma exceção de atendimento de pessoa jurídica porque a instituição entende a importância de assegurar os direitos dessa população, já que vai ao encontro de uma reparação histórica.
“Instituições como a PUC Minas e as pessoas que abraçam a causa quilombola são extremamente importantes pra nos dar voz em lugares onde a gente não está. Não é em todas as mesas que a gente senta; a maioria das pessoas que legislam ou fazem as coisas acontecerem são pessoas brancas, que às vezes não têm conhecimento de causa nenhuma. Essa é a importância, dar voz para quem não tem voz”, conclui Hiago.
História de Formação da Comunidade Quilombola dos Arturos
A trajetória dos Arturos começa com a vinda de Camilo Silvério, escravizado em Angola e trazido ao Brasil. Em Minas Gerais, Camilo exerceu a função de jornaleiro – ofício que permitia ao escravizado adquirir dinheiro, mesmo que pouco.
Ele teve seis filhos, entre eles Artur Camilo. O dono de Camilo Silvério era padrinho de Artur e, ter nascido após a promulgação da Lei do Ventre Livre, ainda vivia naquele regime da escravização. Por volta de 1940, quando Artur tinha oito anos, ele pediu ao padrinho para ver o seu pai, que havia acabado de falecer. Em resposta, o menino apanhou e não pôde ver o seu pai no leito de morte.
Artur cresceu com sentimento de revolta e indignação e a partir daí surgiu a ideia de formar a comunidade. O que o movia era a vontade de morar junto com os seus filhos e parentes para que não passassem por aquilo que ele viveu.
Atualmente, a Comunidade Quilombola dos Arturos possui cerca de 670 pessoas, dentro e fora da comunidade, e mantém viva a história de resistência de seus ancestrais.
A partir do depoimento de Hiago Herédia