As consequências humanitárias sobre as populações civis que se encontram em área de guerra são devastadoras. O número de deslocados forçados e refugiados passam de quatro milhões na guerra russo-ucraniana, bem como outros milhões de deslocados forçados no território de Gaza, devido ao conflito entre Israel e Hamas. As causas que levam as pessoas a abandonarem o seu lar e seu país são diversas e complexas, entre elas: os conflitos civis, as guerras, as violações dos direitos humanos, a agressão decorrente de uma ocupação estrangeira, a pobreza, a fome, a perseguição decorrente de motivos raciais, de religião, de nacionalidade, de convicções políticas, e outras causas.
A situação piora quando a questão dos refugiados é analisada em termos políticos em vez de ser verificada a partir do prisma humanitário. Prejudica-se, dessa forma, o tratamento concedido quando aqueles que buscam refúgio são considerados imigrantes ilegais, negando-lhes o acolhimento sob a ótica do regime internacional de proteção aos refugiados. Não há uma solução duradoura para esses grupos se as causas de refúgio não são cessadas. Portanto, cabem à sociedade internacional o dever e a competência de estabelecer políticas que visam prevenir as situações que tendem a gerar grande número de deslocamentos de pessoas, o que exige uma resposta coordenada frente à escalada da situação.
Sendo assim, o Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) constantemente ressalta que as vidas civis e a infraestrutura civil devem ser protegidas e resguardadas em todos os momentos, inclusive em cenários de guerra, de acordo com o Direito Internacional Humanitário. Uma vez que a guerra ou o conflito armado é capaz de produzir um fundado temor de perseguição nos indivíduos, muitos fogem dessas situações em seu país por causa de violações de direitos humanos ou direito humanitário.
Diante do impacto humanitário e migratório dos conflitos e guerras no mundo, é necessário ter uma compreensão geral básica das leis que limitam os conflitos armados, bem como protegem os civis. Há valor em entender essas leis, essencialmente porque isso facilita a percepção quanto à responsabilização dos Estados e dos indivíduos envolvidos diretamente no tabuleiro bélico.
O Direito Internacional Humanitário foi criado para ser aplicado apenas em cenários de conflitos armados e regular questões, entre elas a proteção dos civis, os meios e métodos de combate permitidos/proibidos e o tratamento daqueles que estão nas mãos das partes beligerantes, incluindo pessoas sob custódia. Portanto, este ramo do Direito Internacional se aplica desde o início de qualquer conflito armado, uma vez que elenca as regras e princípios aplicáveis à condução das hostilidades.
Ressalte-se que existem dois tipos de conflito armado: conflitos armados internacionais, ou seja, entre Estados soberanos, como é o caso do conflito russo-ucraniano; conflitos armados não internacionais, isto é, entre grupos armados não estatais e um Estado – como é o caso, na visão de alguns analistas, do conflito entre Israel e Hamas –, ou entre dois ou mais grupos armados não estatais. Essa distinção é importante porque o quadro jurídico aplicável é diferente, embora as regras fundamentais permaneçam as mesmas.
Nota-se que o Direito Internacional Humanitário, também conhecido como Direito Internacional dos Conflitos Armados, se fundamenta na ideia de que em tempo de guerra nem tudo é permitido. A própria violência decorrente de um cenário de conflito armado é indicativa de que as guerras devem ter limites. Esse é o entendimento que remonta a séculos, embora as leis modernas de guerra tenham origem no século XIX, quando os Estados concordaram em assinar as primeiras convenções internacionais para proteger civis, doentes e feridos em combate. Logo, vários tratados internacionais surgiram, entre eles as quatro Convenções de Genebra de 1949, reconhecidas globalmente como os principais documentos de regulamentação dos conflitos armados, bem como seus Protocolos Adicionais de 1977.
O conceito de “crime de guerra” surge junto com esses tratados, como um termo para descrever as violações mais graves das leis de guerra. Esse entendimento foi ratificado na atuação dos Tribunais de Nuremberg e Tóquio após a Segunda Guerra Mundial, e na década de 1990, com tribunais internacionais para a ex-Iugoslávia e Ruanda criados pela Organização das Nações Unidas. Atualmente, o Estatuto de Roma, que deu origem ao Tribunal Penal Internacional, elenca no artigo 8º as violações graves às Convenções de Genebra de 1949, entre elas: tortura; tomada de reféns; ataques à população civil ou civis que não participem diretamente nas hostilidades; ataques a bens civis, ou seja, aqueles que não sejam objetivos militares. Em resumo, o crime de guerra refere-se às violações específicas e graves do Direito Internacional Humanitário que levam à responsabilidade penal individual.
A proteção dos civis em tempo de guerra é tratada na IV Convenção de Genebra e, embora tenha representado uma extensão das normas anteriores a 1949, ela se limitou à proteção que abrange aqueles que se encontram em poder de uma das partes no conflito ou de uma potência ocupante dos quais não sejam cidadãos. A definição de civil está descrita no artigo 50, do I Protocolo Adicional, de 1977, às Convenções de Genebra de 1949, e diz respeito a qualquer indivíduo não combatente e, em caso de dúvida, qualquer pessoa. É assegurada a proteção e respeito à sua honra e convicções, sendo proibida a tortura ou qualquer outro tratamento desumano.
O princípio da distinção determina que as partes em um conflito armado devem sempre distinguir entre civis e aqueles que participam das hostilidades (incluindo combatentes), da mesma forma entre objetos civis e objetivos militares. Apenas os objetivos militares e aqueles que participam das hostilidades podem ser legalmente alvo de ataque militar; portanto, nada obsta os civis perderem sua proteção legal se participarem diretamente das hostilidades.
Além disso, os objetos de natureza civil (pontes, estradas, escolas, residências, entre outros) podem, por conseguinte, tornar-se objetivos militares em função das circunstâncias, por exemplo, se forem utilizados para alojar ou transportar equipamento militar. No entanto, ambos os lados do conflito têm a obrigação de evitar o uso militar de certos objetos civis, especialmente instalações médicas. Em suma, qualquer pessoa que não participa ou deixe de participar das hostilidades deve ser tratada com humanidade em todos os casos. Da mesma forma, quando o civil resolve pegar em armas, ele tem direito e garantias judiciais.
Igualmente, o princípio da proporcionalidade proíbe qualquer ataque que cause danos civis muito maiores do que a vantagem militar direta desejada – por exemplo, bombardear um caminhão militar vazio, em um mercado movimentado, matando muitos civis. O princípio da proporcionalidade baseia-se em um equilíbrio entre humanidade e a necessidade militar, ou seja, entre a necessidade militar e as exigências humanitárias. Dessa forma, decidir se um ataque é ou não lícito de acordo com o Direito Internacional Humanitário exige dos comandantes cuidados para poupar civis durante operações militares, além de cancelar ou suspender o ataque se a força usada for indiscriminada ou desproporcional, bem como fornecer avisos antes do ataque.
Ainda, visando limitar a condução das hostilidades, determinados meios e métodos de guerra são proibidos. Isso significa que nem todos os tipos de armas podem ser usados, essencialmente aquelas que, por sua natureza, são indiscriminadas – se não puderem distinguir entre alvos lícitos e proibidos – e aquelas que causam sofrimento desnecessário. Essa é a razão pela qual determinadas armas são proibidas ou regulamentadas sob certos tratados. É importante frisar que a lista é bem grande de tratados internacionais que proíbe determinados meios e métodos de combate, mas, a título de exemplificação, pode-se mencionar o caso das armas biológicas, químicas, minas terrestres e balas de expansão.
As violações dos princípios da distinção, da proporcionalidade, da humanidade e da necessidade militar constituem crimes de guerra. Diante disso, os Estados têm a obrigação primária de investigar os crimes cometidos por suas forças armadas e nacionais, bem como aqueles cometidos dentro de seu território e/ou jurisdição. Todos os indivíduos, incluindo os acusados de crimes de guerra, têm direito a um julgamento justo. Por essa razão, um crime de guerra ou outra violação do direito humanitário só pode ser estabelecido por um tribunal após uma investigação eficaz.
Quando os Estados não conseguem investigar efetivamente, outros órgãos podem intervir, incluindo o Tribunal Penal Internacional ou agências da ONU. A sociedade civil, jornalistas e organizações de direitos humanos possuem um papel importante a desempenhar na conscientização sobre as violações, bem como denunciar os Estados por não as investigar. Nota-se que entender a lei e apontar possíveis violações pode ser um poderoso chamado à ação da responsabilidade internacional dos Estados, bem como da responsabilidade do indivíduo no plano internacional.