A maioria dos visitantes dos museus de ciências naturais, especialmente as crianças, são impactados pela grandiosidade dos fósseis expostos e, naturalmente, vão primeiro em direção aos dinossauros – os grandes répteis que há mais de 65 milhões de anos dominavam a Terra.
Mas isso deve mudar em breve porque, graças a uma grande empreitada iniciada em 2022, quem visitar o Museu de Ciências Naturais PUC Minas a partir deste semestre verá de perto a réplica do esqueleto completo de um dos maiores representantes da megafauna brasileira: o mastodonte.
Pioneira na América Latina, a réplica composta por mais de 180 ossos pertenceu a um animal da espécie Notiomastodon platensis Ameghino, que viveu no Pleistoceno (ou Era do Gelo). Seus antepassados chegaram ao sul do continente pelo primeiro Grande Intercâmbio entre as Américas, que aconteceu a partir de atividades tectônicas, que promoveram, há dez milhões de anos, o surgimento de terra ligando as Américas – o istmo do Panamá.
Estudos sugerem que essa espécie viveu por todo o Brasil, mas a maioria dos fósseis foi encontrada em Minas Gerais, região que atualmente corresponde à Zona da Mata do Alto Paranaíba. Parentes distantes do elefante africano (Loxodonta africana), os mastodontes adultos podiam pesar cinco toneladas.

Pegada científica
O curador da Reserva Técnica do Museu, Bruno Garzon integrou a equipe do Centro Técnico Operacional (CTO), também composta pelo biólogo Alexandre Amaral, o artista plástico Marcos Vinícius, e os auxiliares de museografia Reginaldo Gomes e Zeinner de Paula que, sob a supervisão do Prof. Dr. Henrique Paprocki, diretor do Museu, recriou em poliuretano as réplicas dos fósseis do mastodonte. “Esse trabalho surgiu a partir de uma parceria com o Museu da Amazônia, na pessoa do professor Ennio Candotti”, relata Paprocki, referenciando o idealizador do Museu da Amazônia (Musa), em Manaus, falecido em 2023.
A técnica de construção da réplica, que envolveu o uso de ossos de elefante para referência, é abordada no artigo Fabricando um Gigante: a reconstituição e exposição de um esqueleto compósito de Notiomastodon em Museus, escrito por Zeinner, aluno do Curso de Ciências Biológicas.
O artigo apresenta como, a partir do crânio, mandíbula, dentes incisivos e membros escapulares incompletos, foram construídos mais de 80% dos ossos do esqueleto. “Os fósseis selecionados do acervo serviram como matrizes para molde das peças faltantes. Foram estudadas bibliografias descrevendo materiais fósseis e viventes. Além disso, a comparação com esqueletos de elefantes em exposição no Museu e modelos 3D em repositórios digitais garantiram uma maior exatidão”, afirma Zeinner, que acredita na exposição do esqueleto como forma de ampliar o alcance da Paleontologia em espaços não formais de ensino, ampliando seu alcance entre o público.
Bruno Garzon ressalta ainda que essa técnica é muito comum na área e, apesar de não serem da mesma espécie, mastodontes e elefantes compartilham muitas características anatômicas por serem parentes próximos. “No caso do mastodonte, utilizamos como base diversas espécies de elefantes. Um dos principais foi o mastodonte da américa do norte (Mammut americanum), que está quase completo e tem todos os ossos disponíveis em modelos 3D no site do Museu de Paleontologia da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos. Também foram utilizados os ossos do elefante africano (Loxodonta africana) que temos montado na exposição. Estes dois serviram apenas como modelos para entendermos as formas básicas de alguns ossos, como a sequência de modificações de algumas vértebras ao longo da coluna vertebral”, descreve.
Garzon informa que não foram encontrados fósseis completos dessa espécie de mastodonte. “Encontrar um animal completo é raro na Paleontologia e exige uma série de coincidências que incluem os eventos que ocorreram imediatamente depois da morte, as condições do ambiente no local onde a morte ocorreu, as condições climáticas do momento, além do próprio processo de fossilização”, esclarece, informando que quase todos os esqueletos completos atualmente expostos em museus têm pelo menos uma parte recriada.

Mudança de biomas
Estima-se que os mastodontes brasileiros e outros animais da megafauna, como as preguiças gigantes, deixaram de existir há aproximadamente 3,5 mil anos. O motivo do seu desaparecimento ainda não está totalmente claro. Há a hipótese de que as mudanças climáticas foram as principais responsáveis. Segundo Garzon, é possível que a temperatura do planeta tenha oscilado entre os extremos por pelo menos 400 vezes no Pleistoceno.
Durante o período mais frio, a variação das correntes oceânicas com menos ventos vindos do Oceano Atlântico tornou o ambiente mais seco e, por isso, a Caatinga e o Cerrado dominavam grande parte do Brasil. Com o fim da Era do Gelo, o clima do planeta esquentou e se manteve assim. “O calor gerou na América Latina e na América Central uma grande quantidade de umidade, que provocou a substituição dos ambientes abertos, com capim, por florestas. E esses animais dependiam da savana para sobreviver”, esclarece.

SAIBA MAIS
A megafauna pré-histórica brasileira era formada por aproximadamente 150 tipos de animais, entre eles: os tigres-dentes-de-sabre, as preguiças-gigantes, mastodontes e outros. Sob curadoria do Prof. Dr. Cástor Cartelle, a coleção paleontológica do Museu de Ciências Naturais PUC Minas conta com um acervo de mais de 243 mil peças, entre elas fósseis de diversos desses animais, que conviveram com os primeiros seres humanos que habitaram as terras brasileiras.