Quem cuida de quem cuida

Um olhar para as mães de crianças com deficiências
“As mães de crianças com deficiências apresentam demandas de saúde, emocionais e físicas em consequência das atividades como cuidadoras e sobrecarga de tarefas”, Flávia Martins | Foto: Fernanda Garcia
“As mães de crianças com deficiências apresentam demandas de saúde, emocionais e físicas em consequência das atividades como cuidadoras e sobrecarga de tarefas”, Flávia Martins | Foto: Fernanda Garcia

Quem cuida de quem cuida? Este questionamento inspirou Flávia Linhares Martins a estudar as experiências de mulheres que são mães de crianças com deficiências. Pediatra na Atenção Primária à Saúde (APS) em Poços de Caldas, a autora tem contato diário com crianças, geralmente acompanhadas pelas mães.

A dissertação, do Programa de Pós-graduação em Psicologia, teve como proposta discutir as relações mãe-filho no contexto de deficiências. Para isso, entrevistou oito mulheres que são mães biológicas e principais cuidadoras de crianças de até 12 anos com deficiências. Mães não biológicas foram excluídas da amostra uma vez que podem ter assumido o cuidado voluntariamente.

Flávia relata que as vidas dessas mulheres sofrem alterações nos planos e rotinas. “Elas muitas vezes abdicam de esta no mercado de trabalho, pois não há divisão das responsabilidades. O cuidado é internalizado como uma obrigação”, afirma.

Intitulada Mar calmo, mar revolto: a experiência de mulheres que são mães de crianças com deficiências, a dissertação foi orientada pela Profa. Dra. Luciana Kind do Nascimento, que enfatizou a questão de gênero no cenário da pesquisa. “Nem sempre os pais têm o mesmo grau de responsabilidade que as mães. Elas quase sempre são invisibilizadas e pressupõe-se que dão conta do recado”.

Além das entrevistas, Flávia também selecionou uma das mães para acompanhar a rotina e fazer registros fotográficos. As fotos tiveram um importante papel na metodologia, ampliando capacidade de ver o outro e contribuindo para a captação das subjetividades dos relatos. Uma vez que as fotos foram feitas, a entrevistada deu um título para uma, acrescentando suas próprias vivências.

Quem a recebeu em casa foi Ana Rita (39), mãe de Isis (11), com deficiência física devido à Atrofia Muscular Espinhal tipo II. “Eu vejo que falta um olhar para nós. Comentei com meu marido que eu estava com muitas dores nas costas. Levei Isis à fisioterapia e pensei como precisava de um alongamento. Às vezes olho para a sala de espera da clínica e percebo como seria bom ter um projeto para as mães”. Ana Rita enfatiza que a fisioterapia chama sua atenção, pois usa do seu próprio corpo para ajudar a filha nas atividades diárias, pegando-a no colo para colocar na cama e na cadeira de rodas, por exemplo.

Redes de apoio

Ana Rita participa de grupos do WhatsApp com outras mães de crianças com a mesma patologia da filha, onde pode trocar informações, sentimentos e práticas.

Outra entrevistada, Helen (32), é mãe de Vitor (1), que é deficiente visual. Ela conta que compartilhar a vivência em grupos é bom, pois “você percebe que não é a primeira e nem a última. Você aprende e ensina”, diz. O diagnóstico do filho foi uma motivação para que retomasse os estudos. “Comecei a estudar a deficiência visual e agora faço um curso de inclusão social e de Braille. Quero saber tudo o que meu filho tem direito. Penso que posso ajudar outras mães”, conta.

Na pesquisa, Flávia aponta que algumas mulheres têm ajuda da família, principalmente da avó materna. “Entretanto, apenas o familismo não dá conta de se responsabilizar pelo cuidado. A rede de apoio não pode ser entendida apenas como da família ou de pessoas próximas”.

Algumas mães relataram que a escola mostrou proatividade em acolher a criança. Ana Rita conta que participou de uma reunião com professores e auxiliares do colégio, que perguntaram como poderiam melhorar o ambiente escolar. “Nós não temos ideia de como sair de casa é um grande esforço. Não só para minha filha, mas para outros alunos com deficiências também”, afirma.

Contudo, ainda que algumas escolas deem suporte às crianças com deficiências, não é uma regra. Mara (44), mãe de Lucas (6), com Transtorno do Espectro Autista, conta que seu filho frequenta a creche somente no período da manhã, pois é quando tem um mediador escolar disponível.

Ao longo das entrevistas, Flávia constatou que “as mães de crianças com deficiências apresentam demandas de saúde, emocionais e físicas em consequência das atividades como cuidadoras e sobrecarga de tarefas. Acrescentam-se, ainda, vivências de preconceito junto com seus filhos e falta de acessibilidade.

A pesquisadora aponta que o apoio às mães precisa ser pensado de maneira coletiva e não individual. “As mulheres que cuidam também precisam ser vistas na teia político-relacional da deficiência”, afirma.

Novas compreensões

Ao ser questionada sobre os impactos da pesquisa na sua atuação como médica, Flávia contou que permitiu uma abertura do seu olhar e “um entrelaço entre diferentes áreas, para além dos conceitos apenas biomédicos, e a valorização do conhecimento prático das famílias na tomada de decisões”.

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