Qual é o papel da fotografia? O disparo de um clique é capaz de capturar memórias e costumes, deixando marcada a existência de uma comunidade ou cultura. A fotografia também pode ser uma forma de resistência, mostrando ao mundo uma história que, muitas vezes, é invisibilizada. Esse foi o ponto de partida de Maria Clara Landim, que se propôs a registrar a identidade da Comunidade Quilombola de Pinhões, localizada em Santa Luzia, Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).
Como Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), a aluna do Curso de Jornalismo do Campus São Gabriel desenvolveu uma extensa pesquisa sobre a fotografia e seus impactos, especialmente em comunidades quilombolas, e produziu um livro fotográfico. O objetivo da iniciativa, ao apontar a câmera para a comunidade, era retratar as histórias, memórias e visões de Pinhões, dando visibilidade e reafirmando a existência daquelas pessoas perante a sociedade.
Evidenciar de forma completa e autêntica as 400 famílias da comunidade, no entanto, não seria uma tarefa simples. Pensando nisso, Maria Clara propôs uma oficina de fotografias mobile em setembro de 2024, que proporcionou aos moradores o autorreconhecimento e a possibilidade de registrar e divulgar a própria realidade de maneira mais profissional.
Intitulado Nas Lentes de um Fotodocumentário: o papel transformador do fotojornalismo na comunidade quilombola de Pinhões, o projeto foi orientado pela Profa. Dra. Adriana Cunha, que explicou a escolha por celulares por serem câmeras menores e mais acessíveis, o que deixaria a fotografia cada vez mais presente no cotidiano. Além disso, os aparelhos móveis também permitem o compartilhamento rápido de informações. “As redes sociais têm tornado ágil o acesso às imagens e possibilitaram uma narrativa mais próxima do público. Isso gera maior engajamento e ação da população. As fotos comovem o expectador e se tornam um combustível para as mudanças sociais pretendidas”, afirma.

Realidade invisibilizada
De acordo com Glaucon Santos, membro colaborador de Pinhões, o trabalho de Maria Clara dá visibilidade a uma realidade que, até então, foi ignorada e até mesmo combatida. “Os tambores de Minas soarão. Seus tambores nunca se calaram”. É o que diz a música Os tambores de Minas, de Milton Nascimento. Glaucon cita a canção para alertar que não é só porque uma realidade não é representada que ela não existe. “São tambores que não estavam no alvo das câmeras e filmadoras, o que não quer dizer que eles não existiam. Da mesma forma, acontece com a nossa comunidade: ela existe, é resistente e sobreviveu, mas ela nunca foi alvo da mídia”, explica.
Maria Clara aponta que esse movimento é importante para que eles sejam vistos não somente através do olhar de um estrangeiro, como são conhecidas as pessoas de fora da comunidade, mas também sob uma perspectiva interna, de quem vive e conhece todas as tradições e desafios do lugar. “É importante que eles possam se retratar com essa visão de dentro da comunidade e, para isso, era necessário que eles aprendessem a usufruir melhor das ferramentas do celular, seja para fazer fotografia de paisagens ou de retratos”, orienta.
Se o objetivo da oficina era causar um processo de autorreflexão e autoconhecimento, Glaucon acredita que foi bem-sucedido. “É importante que a comunidade tenha a oportunidade de registrar aquilo que ela compreende, que é fundamental para a história da sociedade. Isso gera uma capacidade reflexiva sobre si, que será compartilhada com o outro a partir de um registro eternizado pela fotografia”, comenta. Para ele, “não se trata simplesmente de um olhar para o futuro, mas do olhar sobre si mesmo disponibilizado ao outro”.
Origem e tradição
A história de Pinhões começou no século XVIII, quando pessoas escravizadas foram enviadas para a região entre o Mosteiro de Macaúbas e a Fazenda Bicas com o objetivo de cuidar das propriedades. Após a abolição da escravidão, fixaram a residência no território. Quem conta a origem do quilombo é Maria Geralda Gonzaga Carvalho, matriarca e Rainha Perpétua da Festa Nossa Senhora do Rosário. A Festa acontece anualmente em outubro e tem como maior expressão cultural a guarda de catopés, registrada como patrimônio imaterial do município de Santa Luzia. Maria Geralda fala com orgulho sobre o legado das festividades. Além de cuidar do patrimônio, a matriarca reforça que sua dedicação é motivada pela devoção à Nossa Senhora do Rosário e pela tradição.
SAIBA MAIS
Assista ao videocast sobre os direitos das comunidades quilombolas.
https://youtu.be/1JVlMiOsXH4?si=1eiU-pYvlFIxo93q