Vivências distintas, conexões singulares

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O crescente envelhecimento da população é, atualmente, um proeminente fenômeno mundial. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), esse fenômeno se tornará uma das transformações sociais mais importantes do século XXI, impactando transversalmente todos os setores da sociedade, do mercado financeiro às estruturas familiares e laços entre gerações. A estimativa aponta que o número de idosos com 60 anos ou mais – que em 2017 totalizava 962 milhões – duplique até 2050, elevando o número para 2,1 bilhões de indivíduos, e triplique até 2100, chegando à marca recorde de 3,1 bilhões.

O Brasil, a exemplo do que ocorre em outros países, está cada dia mais longevo. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os avanços da medicina e as melhorias nas condições gerais de vida da população repercutem no sentido de elevar a média de vida do brasileiro. Pela projeção do IBGE, o país continuará ampliando o número de anos na vida média de sua população, alcançando em 2050 o patamar de 81,29 anos. Após 2030, o grupo dos idosos será maior que o grupo de crianças e adolescentes com até 14 anos. Nesse contexto de mudanças, a população idosa também se diversifica, alterando a composição etária do próprio grupo: hoje é cada vez maior o número de pessoas que alcança uma idade muito avançada, inclusive passando dos 100 anos.

Assim, esse aumento da expectativa de vida tem ampliado as possibilidades de convívio, por mais tempo, com diferentes faixas etárias. No âmbito familiar, por exemplo, constatamos que houve um aumento na frequência de relação entre distintas gerações dentro da família. Pela primeira vez na história da humanidade, temos observado, de uma só vez, quatro gerações convivendo entre si. Além disso, com a crescente inserção da pessoa idosa nos distintos âmbitos sociais, como o lazer, o trabalho e a educação, constata-se a cada dia a necessidade de um olhar cuidadoso para o convívio intergeracional, fora do contexto da família.

Estamos diante de um mundo cada vez mais longevo, tecnológico e conectado digitalmente, o que tem provocado mudanças profundas nos parâmetros da condição humana e tem nos colocado diante de inúmeros desafios. Uma das questões contemporâneas é o distanciamento entre as gerações, estimulado por uma sociedade que estabelece espaços segmentados de convívio, que se transformam em verdadeiros “nichos geracionais”: as crianças estão inseridas no ambiente escolar, os jovens estão dentro de suas “tribos”, os adultos estão nos seus espaços de trabalho e os idosos estão em casa ou frequentando os grupos de convivência destinados a eles. O resultado disso é o afastamento e o não convívio entre gerações, que acaba contribuindo para a manutenção do preconceito geracional.

Sabe-se que a convivência entre diferentes gerações é um elemento fundamental para constituição do que chamamos de tecido social e seu valor vai muito além do simples compartilhamento de experiências. Os jovens, por exemplo, trazem consigo a energia, o entusiasmo e a visão de mundo atualizada e mais tecnológica, enquanto os idosos transmitem sabedoria adquirida ao longo de décadas, histórias preciosas e uma perspectiva mais reflexiva diante da vida. Deste modo, essa troca de conhecimento e experiência promove um enriquecimento mútuo, fortalecendo os laços familiares e comunitários. Estudos apontam que, quando diferentes gerações se relacionam, seja em família, nos espaços educacionais ou em atividades comunitárias, isso pode proporcionar um senso de pertencimento e conexão emocional tão necessários para diminuir ou mesmo evitar a sensação de solidão e de isolamento.

A convivência intergeracional desempenha um papel crucial na promoção da saúde mental das gerações. As pessoas idosas se beneficiam enormemente, pois a interação com os mais jovens faz com que se sintam mais valorizados por compartilhar sua sabedoria e experiência com a próxima geração. Além disso, as conversas e atividades compartilhadas estimulam o cérebro, promovendo a saúde cognitiva e emocional dos idosos – o que pode melhorar sua autoestima, autoconfiança e sentimento de relevância na sociedade.

Para as pessoas mais jovens, a convivência intergeracional oferece uma oportunidade única de aprendizado e crescimento emocional. Ao interagir com pessoas mais velhas, os mais jovens têm a chance de adquirir conhecimentos valiosos sobre a vida, história, cultura e tradições. Essas interações não apenas ampliam sua perspectiva de mundo, mas, também, fortalecem suas habilidades sociais, empatia e compreensão. Além disso, a convivência com idosos frequentemente oferece um contraponto à cultura do imediatismo, ajudando as gerações mais jovens a desenvolver a paciência e a resiliência para enfrentar os desafios da vida. Outra vantagem da promoção da convivência e do diálogo intergeracional é a possibilidade de revisar crenças e atitudes, o que pode ajudar a quebrar estereótipos e preconceitos entre as gerações, possibilitando a construção de uma sociedade mais inclusiva e tolerante.

Em suma, a convivência entre gerações é benéfica para a sociedade como um todo. Ela ajuda a reduzir o estigma associado ao envelhecimento, promovendo a inclusão e o respeito pelos idosos. Além disso, fortalece os laços familiares, criando uma rede de apoio emocional e prática, que é inestimável em momentos de dificuldade. Contudo, é importante dizer que essa convivência deve ser promovida de maneira orgânica. Atividades intergeracionais, como aulas, projetos voluntários ou eventos comunitários, podem ser oportunidades apropriadas para que as gerações se encontrem, se aproximem, interajam e consigam construir relações intergeracionais significativas.

Profa. Dra. Kátia Saraiva

A professora do Curso de Psicologia do Campus Poços de Caldas Profa. Dra. Kátia Saraiva aborda no artigo Vivências distintas, conexões singulares a importância de valorizar a intergeracionalidade para a construção de uma sociedade capaz de integrar pessoas de diferentes faixas etárias. Pela primeira vez na história da humanidade, temos observado, de uma só vez, quatro gerações convivendo entre si.

A Revista PUC Minas não se responsabiliza pelas opiniões expressas pelos autores nos artigos assinados.

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