Aproximadamente dois quilômetros é a distância que separa a Escola Municipal Padre Xisto, localizada no povoado de Piedade do Paraopeba, em Brumadinho/MG, da barragem Santa Bárbara, de propriedade da empresa Vallourec, conglomerado francês que atua no setor de siderurgia. O reservatório, que recebe águas de chuva e sedimentos desde 2015 e que antes era utilizado com a finalidade de acomodar os rejeitos gerados pelo processo de beneficiamento do minério de ferro, vem causando apreensão na comunidade por conta do medo de um eventual rompimento, o que levaria a escola e a comunidade a serem atingidos em um curto período de tempo. A instituição de ensino está localizada em uma Zona de Autosalvamento (ZAS), considerada de risco em razão da proximidade da barragem.
A partir de uma ação civil pública, proposta pela Associação Piedade Artes & Sabores, com assessoria jurídica do projeto de extensão Ecologismo dos Pobres: o cuidado/proteção dos bens da natureza a partir das perspectivas de vida não capitalistas, sete alunos obtiveram na Justiça o direito à transferência para outra instituição de ensino, fora da ZAS, garantindo assim o direito constitucional à educação, à dignidade e à proteção contra toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Quem advogou foi o coordenador do projeto, Prof. Dr. Matheus de Mendonça Gonçalves Leite, com a colaboração de extensionistas do Curso de Direito do Campus Betim e outras unidades.
“A principal vitória foi conscientizar a população de Piedade do Paraopeba de que o modelo de exploração mineraria é violador dos direitos humanos, tais como o direito à vida, à saúde, ao bem-estar, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, entre outros. E, por isso, é preciso uma ampla mobilização da sociedade civil para exigir a transformação radical do modelo de exploração minerária vigente no país”, defende o Prof. Matheus, referindo-se à região próxima à barragem como “zona da morte”. Com quase 120 anos de história, a escola, fundada em 1907, atende atualmente 186 alunos, segundo a Secretaria Municipal de Educação de Brumadinho. O objetivo da comunidade é a descaracterização da barragem e a permanência dos alunos na Escola Pe. Xisto.
A extensionista Fernanda Perdigão de Oliveira do Curso de Direito da Unidade São Gabriel conta que atuou na pesquisa de dados para a construção de peças jurídicas e participou de reuniões com a comunidade para a escuta e esclarecimento de dúvidas, incluindo outras atividades. “Tenho a extensão como um ponto primordial para que possamos ultrapassar os muros da Universidade e alcançar a prática do conteúdo do curso e poder vivenciar essa experiência do ‘mãos à obra’, o que faz com que as aulas e todo o conteúdo programático passe a ter um novo significado, de aplicação do Direito para sua finalidade, que é garantir direitos de forma justa”, diz.
Na petição inicial, foi pleiteado que, enquanto não ocorra a descaracterização da barragem, o município de Brumadinho seja condenado a transferir os alunos para uma instituição de ensino distante da ZAS; apresentar programa de atendimento escolar condizente com o cumprimento do ano escolar; oferecer serviços de saúde psicológicos e psiquiátricos; repor as atividades perdidas pelas crianças que se ausentaram da escola; entre outras.
Sensibilidade ao clamor
Reginaldo de Souza Rosa, integrante da Associação Piedade Artes & Sabores, explica que a entidade atendeu ao “clamor” das mães de alunos, que se organizaram como comissão de pais, para cobrar providências do poder público. “A associação é composta por mães, avós e tias de alunos sensíveis às violações de direitos das crianças e adolescentes. A falta de organizações civis comprometidas com o bem comum no território ou comprometidas demais com apoios e patrocínios das mineradoras potencializou os instintos e valores femininos ligados à Associação Piedade Artes & Sabores a apoiar o manifesto da comunidade escolar da Escola Municipal Pe. Xisto para necessidade de atendimento escolar seguro, proteção da vida e da cultura de Piedade do Paraopeba”, afirma.
Uma das mães que obteve o direito à transferência foi a vendedora autônoma Alice Fonseca Silva Souza. Ela, que é mãe de dois filhos, um deles aluno da Escola Pe. Xisto, diz que até conseguir essa vitória passou por muitos transtornos e humilhações. De acordo com Alice, a principal preocupação da comunidade é com a insegurança, a instabilidade, e afirma não acreditar em laudos de estabilidade da barragem. “Como a gente vai acreditar em um laudo de uma mineradora que a gente vê a todo instante, a todo momento, só querendo o lucro, o lucro e o lucro. Não se preocupam com a qualidade de vida das pessoas, com o emocional, porque se preocupassem com o emocional teriam de uma certa forma dado mais apoio”, desabafa.
Até que a transferência fosse assegurada, a criança, por decisão da família, se ausentou das atividades escolares durante cinco meses, o que, segundo ela, comprometeu o aprendizado. Ela afirma ainda que o que foi acordado não foi cumprido. “Com a transferência falaram que ia ter aula, conteúdo para repor esse tempo fora da escola, só que isso não aconteceu. O que ofereceram foi um reforço, mas esse reforço não tinha nada a ver com o período fora da escola”, diz a mãe, que teve que arcar com aulas particulares. Ela conta que teve ainda problemas com o transporte escolar oferecido. “Meu filho tinha que se deslocar por uma distância maior do que a de costume para esperar o ônibus que o levava à escola”, relata Alice.
De acordo com a Secretaria de Educação de Brumadinho, todos os alunos transferidos participaram da atividade de reforço tendo a sua situação regularizada de acordo com o artigo 24 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) – 9.394/96. Os demais alunos continuam frequentando a instituição de ensino por desejo dos pais. Ainda de acordo com a secretaria, estudos e laudos dos órgãos responsáveis por controle de barragens apontam que o reservatório de Santa Bárbara se encontra com risco zero de rompimento, sem risco iminente.
SAIBA MAIS
O que diz a empresa
Em nota, a empresa Vallourec esclarece que a barragem Santa Bárbara “encontra-se em condições adequadas de segurança, não se inserindo em quaisquer dos níveis de emergência previstos na legislação aplicável. A estrutura é monitorada 24 horas por dia, sete dias por semana.” A Vallourec diz ainda reiterar seu “compromisso com a segurança da comunidade e com a transparência das informações e reforça que segue todos os protocolos e diretrizes do Plano de Ação de Emergência para Barragens de Mineração (PAEBM).”