Diversificação energética necessária

Por que a energia elétrica é tão cara no Brasil?

Certamente, você já teve seu orçamento impactado pela alta no preço da energia elétrica, seja na própria conta de luz ou no preço de produtos e serviços consumidos em cadeia. Com a geração de energia fortemente dependente do regime de chuvas e sua instabilidade, o Brasil tenta avançar na diversificação da matriz energética do país, na implantação de fontes alternativas e na criação de uma maior segurança do sistema elétrico. Mas o caminho ainda é longo. “É triste, mas não vemos uma solução no curto prazo para que o preço da energia diminua. Estamos saindo de uma crise hídrica, cujos custos continuaremos pagando nos próximos anos, e já temos as consequências da invasão da Ucrânia pela Rússia, com efeitos no preço do petróleo e do gás, que abastecem as termoelétricas”, explica o professor Nelson Fonseca Leite, do Master em Engenharia em Setor Elétrico do IEC PUC Minas.

Rodrigo Ferreira é gestor de uma empresa que atua no ramo de ferro e aço e está sentindo no bolso as dificuldades do setor elétrico. “O aumento da energia vem impactando diretamente na produção. O preço alto tem inviabilizado algumas de nossas operações e vamos precisar de alternativas para alcançarmos a nossa expectativa de crescimento até o ano de 2025”, relata. A empresa fica em Santa Luzia e atua com tubos de aço carbono, eletrodutos de aço galvanizado, ferragens para rede de distribuição elétrica e andaimes industriais. “Dependemos da energia elétrica para aquecer os fornos de galvanização, no qual um metal é revestido por outro em altas temperaturas”, explica. Rodrigo, que é especialista em Gerenciamentos de Projetos pela PUC Minas, projeta a empresa para gerar sua própria energia e ser menos impactada com o aumento de tarifas. “Estamos nos preparando para um investimento em geração de energia elétrica através de células fotovoltaicas, mas por enquanto, a solução é operar nos horários em que a tarifa é mais barata e investir em novas tecnologias de redução de consumo e manejo dos centros de produção onde os consumos são mais elevados”, compartilha.

Segundo dados da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), a tarifa residencial da conta de luz acumulou alta de 114% em sete anos, diante dos 48% da inflação no mesmo período. O levantamento indica ainda um aumento médio anual de 16,3% entre 2015 e 2021. Atualmente, além do custo regular da energia, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) trabalha com taxas extras, ou as bandeiras tarifárias de escassez hídrica. Em outra medida recente, a Agência reguladora autorizou um novo empréstimo para cobrir os custos da crise energética, no valor de R$ 10,5 bilhões. A conta, claro, será paga pelo consumidor e a tarifa de energia pode ficar ainda mais cara a partir de 2023. “Na crise hídrica do ano passado foi estabelecido um novo adicional tarifário. Entretanto, por medo de aumentar a inflação, o valor estabelecido para tal bandeira foi menor que o necessário para pagar os gastos adicionais com a crise hídrica. Pedalaram, então, parte desses custos, para este ano. Repetindo o que foi feito em 2014, para evitar repassar custos represados e o aumento das tarifas em ano de eleição, fizeram um novo empréstimo”, avalia Nelson Leite, que considera a questão tributária e os encargos do setor elétrico pontos de atenção. Por exemplo, de cada R$ 100,00 que um consumidor residencial paga de conta de luz, R$ 45,00 são tributos e encargos.

“Em termos técnicos, temos tratado de subsídios cruzados nas tarifas, ou seja, a tarifa aplicada a determinados segmentos e usuários é menor do que deveria ser. Essa diferença, atualmente, é paga pelos demais consumidores. A distribuidora é uma mera arrecadadora e repassadora dos recursos. Não adianta ficar repetindo os erros do passado. Qualquer proposta de alteração do modelo do setor elétrico tem que tratar da questão dos subsídios e tributos”, conclui o professor, que já atuou como diretor na Eletrobrás e presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica.

Rodrigo Ferreira é gestor de uma empresa que atua no ramo de ferro e aço e está vivendo as dificuldades da alta nos preços no setor elétrico Foto: Raphael Calixto

A escolha pelas hidrelétricas

O Brasil conta com mais de 84 mil MW de capacidade hidrelétrica instalada, sendo o segundo maior produtor de energia proveniente dessa fonte no mundo. A matriz energética brasileira é ampla e com predominância de fontes renováveis, mais baratas e menos poluentes. “É das matrizes energéticas mais limpas do mundo. Mais de 80% da energia elétrica gerada no nosso país é proveniente de fontes renováveis. Outra vantagem é que o grande sistema interligado por linhas de transmissão permite explorar as complementaridades hidrológicas entre as diferentes bacias hidrográficas. No entanto, a nossa dependência do regime de chuvas poderia ser melhor administrada pelo governo”, afirma Nelson Leite.

O professor explica que estamos enfrentando fenômenos climáticos cada vez mais intensos e com maior frequência. “Nos momentos de escassez hídrica, cabe aos tomadores de decisão não deixar os reservatórios esvaziarem muito. Para isso, usam as usinas termoelétricas que ficam na reserva e são acionadas na medida em que a reserva hidráulica diminui. Essas usinas são acionadas na ordem crescente dos custos de geração”. Para o professor, em 2021, houve uma demora no acionamento das usinas mais baratas, para evitar o aumento das tarifas e quando a decisão foi tomada a situação já estava crítica. Com isso, todas as térmicas tiveram que ser acionadas, inclusive as mais caras. “Precisamos melhorar o processo decisório sobre o uso dos recursos disponíveis”, completa.

O futuro da energia

“Foi uma escolha para economizar. Antes, a luz era muito cara, principalmente com os gastos relacionados ao chuveiro. Tivemos uma redução de 60% no valor total da conta”, Marilene moradora do bairro Jardim Vera Cruz, em Contagem | Foto: Raphael Calixto

Há cerca de seis meses, o Brasil discutia o risco real de um apagão. Na maior seca em quase 100 anos, os reservatórios das hidrelétricas caíram ao menor patamar em décadas e a capacidade de geração de energia caiu rapidamente. A professora Antônia Sônia Alves Cardoso Diniz, pesquisadora do Grupo de Estudos em Energia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, o Green PUC Minas, ressalta que as crises no setor de energia são uma oportunidade para discutirmos novas fontes e o planejamento na geração de energia para as próximas décadas. É preciso garantir a continuidade do conforto da vida moderna e ao mesmo tempo investir em uma matriz energética com menos emissões. “Após o racionamento de energia enfrentado pelo Brasil no início dos anos 2000, houve grande movimentação para a diversificação da matriz energética do país, implantação de novas fontes de energia e criação de uma maior segurança do sistema elétrico brasileiro”, confirma.

Os números da energia solar no Brasil indicam avanços importantes. Segundo a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), o país acaba de chegar à marca histórica de 14 gigawatts (GW) de capacidade instalada de energia solar fotovoltaica, a mesma potência da usina hidrelétrica binacional de Itaipu. Marilene da Silva Linhares, 52 anos, trabalha no setor de infraestrutura da PUC Minas. Casada e mãe de três filhos, já conta com a energia solar em casa há mais de dez anos. A aposta na alternativa na época da construção do imóvel foi com o objetivo de conter os gastos de energia elétrica da família, que na época era formada por cinco pessoas. “Foi uma escolha para economizar. Antes, a luz era muito cara, principalmente com os gastos relacionados ao chuveiro. Tivemos uma redução de 60% no valor total da conta”, explica. Marilene mora no bairro Jardim Vera Cruz, em Contagem.

Além da energia solar, a professora Antônia Diniz ressalta a inclusão de termoelétricas a gás e o incentivo à implantação de sistemas eólicos e de biomassa para a geração de energia ocorrido nas últimas décadas, mas alerta que apenas importar tecnologia de outros países não será suficiente em busca da segurança do sistema elétrico. “No entanto, para expandir o sistema adequadamente não basta adquirir tecnologia de outros países, como temos feito com energia solar, e pouco desenvolvimento no próprio Brasil. Nesse contexto, a diversificação da geração de energia passa pelo investimento em pesquisa e desenvolvimento tecnológico em solo brasileiro para que não sejamos tão dependentes de outros países como acontece hoje”, afirma.