Economia prateada

Pesquisadora destaca as oportunidades econômicas de um país cada vez mais grisalho
Foto: Helio Montferre
Foto: Helio Montferre

Em 2022, a expectativa de vida do brasileiro ultrapassou os 76 anos. Os dados são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a partir de informações do Censo Demográfico. Acesso ao saneamento básico, avanços da Medicina, maior acesso à saúde e à informação são fatores que contribuem para elevar a qualidade de vida e, por consequência, a expectativa de vida. Nos últimos doze anos, o número de idosos aumentou quase 60%. É um fenômeno inédito para a espécie humana. Em algumas décadas, a população idosa será maior do que a de crianças e adolescentes. Um movimento que ocorre em todo o mundo.

A boa notícia acende um alerta em pesquisadores, economistas e profissionais que se dedicam ao planejamento de políticas públicas. A inversão da pirâmide etária, quando a população em idade produtiva é menor do que o número de crianças, adolescentes e idosos, desafia os governos a ampliar políticas públicas que garantam os direitos dos idosos e a diminuir o possível impacto econômico.

Debruçada sobre esses dados, a pesquisadora e coordenadora de Estudos e Pesquisas de Igualdade de Gênero, Raça e Gerações do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Ana Amélia Camarano, se dedica a pesquisas concentradas na área de envelhecimento da população. Nesta entrevista, a professora doutora da Universidade Federal do Rio de Janeiro explica que este é o momento do país se planejar para aproveitar as oportunidades que surgirão com a economia prateada. “O Brasil tem um potencial enorme de projetos nessa área. O Ministério da Ciência e da Tecnologia está financiando mais de 300 grupos de pesquisa nas universidades brasileiras para o desenvolvimento de protótipos de dispositivos para atender não apenas a população idosa, mas também a população com deficiência”.

Dados do Censo indicam que, em 2070, mais de um terço da população brasileira será formado por pessoas com 60 anos ou mais. Atualmente são 55 idosos para cada 100 jovens. Quais são os desafios para o Brasil com essa nova configuração da pirâmide etária que começa a se apresentar?

Eu entendo que o desafio começa agora porque a inversão da pirâmide já começou, já está em curso. E se isso vai ser um problema ou uma oportunidade, vai depender de como a sociedade vai lidar com essa questão. Porque ter muitas pessoas de 60 anos ou mais não é bom e nem ruim. Vai depender de como a população chega a essa idade. Se chega em boas condições de saúde, com autonomia financeira, autonomia para desenvolver as atividades da vida diária e para trabalhar. Hoje, temos trabalhado no que chamamos de busca de oportunidades de crescimento que essa população idosa pode trazer para a sociedade. Surgiu no Japão, nos anos 1970, o termo Economia Prateada, que é como você pode estabelecer um modelo econômico aproveitando as oportunidades que o envelhecimento da população traz. Não seria focar somente na população idosa, mas pensar no novo modelo econômico, onde a tecnologia desempenha um papel superimportante. Por exemplo, se analisamos a questão de cuidados para a população idosa frágil, vemos que o cuidado é uma atividade que gera muito emprego, principalmente para mulheres. Essa já é uma oportunidade. Também existe a possibilidade de desenvolvimento de novas tecnologias assistivas, que vão desde óculos até robôs que podem melhorar a qualidade de vida. Hoje, robô é tecnologia de reabilitação, é tecnologia para o cuidado. E os robôs, que foram feitos inicialmente para trabalhar em atividades industriais, agora ocupam um espaço muito maior na área de serviços. Estão presentes em hotéis e hospitais. E o Brasil tem um potencial enorme de projetos nessa área. O Ministério da Ciência e da Tecnologia está financiando mais de 300 grupos de pesquisa nas universidades brasileiras para o desenvolvimento de protótipos de dispositivos para atender não apenas a população idosa, mas também a população com deficiência. A Universidade Federal de Minas Gerais ganhou um prêmio no desenvolvimento de um protótipo para atividade de reabilitação que ainda não chegou à indústria.

E no Brasil os idosos têm uma renda fixa, que é a aposentadoria. Pode ser baixa, mas ela é estável e garantida até o fim da vida. Somente em 2023, eles movimentaram R$ 93 bilhões mensais, que é quase um quarto da renda das famílias brasileiras. Essa população tem um potencial de consumo muito grande, tanto de produtos de gasto imediato como no turismo e no mercado de habitação adaptada.

E, pensando nessa gama de oportunidades, no Brasil temos aproveitado todas essas frentes?

Sim, o turismo e a área de cultura e entretenimento têm aproveitado essas oportunidades. A indústria de alimentos e suplementos vitamínicos tem um mercado de atuação grande. Uma outra questão é a do mercado de trabalho. Com a população jovem diminuindo, as pessoas precisam ficar mais tempo no mercado de trabalho. É essa população que vai garantir nosso futuro. E a última reforma da Previdência Social está falando sobre isso. Não adianta uma canetada falar que a pessoa tem que trabalhar até mais tarde e o mercado de trabalho não se adaptar. Essa é uma população que precisa de inclusão digital. Precisa de treinamento, de capacitação, recapacitação. Essas são grandes oportunidades de gerar emprego e renda. E essa renda vai se converter em pagamento de impostos para custear os gastos em saúde com a população idosa. É uma visão mais otimista que vem sendo trabalhada na comunidade europeia. Esses países já passaram há alguns anos pelo fenômeno que nós estamos vivendo. Eles já têm uma população que envelheceu.

Qual o impacto dessa inversão da pirâmide etária para a sociedade?

O envelhecimento não cai em um vazio demográfico, ele cai em uma sociedade. E essa sociedade também está evoluindo. O cuidado antes era relegado às famílias, sobretudo, às mulheres. Hoje, as famílias são muito diferentes. A família da minha mãe é diferente da minha família. Já não tem a mulher que fica exclusivamente dentro de casa, que tem muitos filhos. E, família que tinha muitos filhos, a mulher não trabalhava fora, ficava por conta de cuidar. Hoje, ao mesmo tempo que há um aumento da demanda por cuidados da população idosa, há uma redução da capacidade da família cuidar. Este é um desafio para o Estado resolver. O Estado e o mercado privado têm que dividir com a família a responsabilidade do cuidar para haver um equilíbrio.

Dados do IBGE mostram que o número de idosos no mercado de trabalho cresceu de 4,9 milhões, em 2012, para 8 milhões. Mais de 53% dessas pessoas estão no mercado informal, em funções que exigem baixa qualificação. Essas pessoas retornam ao mercado de trabalho na tentativa de complementação da aposentadoria, mas não são mais absorvidas pelas empresas. Como os idosos podem passar a ser vistos pelo mercado de trabalho como parte da população produtiva?

É preciso estimular as empresas a valorizar a experiência acumulada por essas pessoas. Primeiro, é necessário recapacitar esses profissionais. Por outro lado, é necessário oferecer às empresas incentivos fiscais. Acredito que uma alternativa seja usar o sistema S, por exemplo, para atualizar as competências das pessoas idosas, com treinamento e educação continuada. Quais são as atividades que estão em demanda no mercado de trabalho? Quais são as áreas novas que precisam de mão de obra? E nós podemos dizer que a principal dificuldade dessas pessoas retornarem ao mercado formal é a questão tecnológica. Isso deveria entrar nos cursos de treinamento, de capacitação para o uso das novas tecnologias. É necessário familiarizar essas pessoas com as novas tecnologias.

Em 2024, você coordenou um estudo que apresenta que o acesso aos direitos assegurados pelo Estatuto da Pessoa Idosa não acontece de forma igual entre as populações negra e não negra, assim como entre homens e mulheres. De acordo com o estudo, a diferença pode chegar a 12,4 anos considerando-se mulheres não negras e homens negros. Quais fatores determinam essa desigualdade e quais políticas públicas podem reduzi-la?

Sim, 12,4 anos de diferença. Esse dado me marcou muito. E quais são os fatores que determinam essa diferença? As mulheres vivem naturalmente mais do que os homens. São oito anos a mais, em média. As condições de vida da população negra são diferentes da população não negra. É mais difícil para essas pessoas chegarem a idades avançadas. Há uma diferença de acesso à saúde, à educação e, até mesmo, a serviços básicos como água tratada. Outro fator importante é a mobilidade urbana. Isso é um indicador importante de qualidade de vida. Fala-se em uma menor produtividade do trabalhador mais velho, mas, se ele passa duas horas no ônibus de manhã e duas à noite, são doze horas de trabalho e não oito. A produtividade dele não pode ser a mesma de uma pessoa que tem maior mobilidade urbana. Nas grandes cidades isso interfere até na possibilidade de ir ao médico.

Recentemente, foi instituída a Lei 15.069, de 2024, que estabelece a Política Nacional de Cuidados. A lei prevê a garantia do direito ao cuidado e estabelece a corresponsabilidade social entre Estado, família, setor privado e sociedade civil. Como deve caminhar essa proposta a partir de agora?

Nós estamos aguardando o plano. Por enquanto, só temos as linhas gerais da política. É preciso aprofundar para entendermos quais são as medidas que virão. De forma geral, a lei trata de uma atribuição para a sociedade do cuidado com o idoso. Tira a responsabilidade só da família e coloca para toda a sociedade. A ideia é que a sociedade, formada pelo mercado, o Estado e a família, divida essa responsabilidade. E ela centra muito no cuidador: no cuidado com o cuidador, na questão da saúde mental, da saúde física. Considera a perda de oportunidades no mercado de trabalho das mulheres em idade produtiva. Por exemplo, se você não tem quem cuide dos filhos pequenos, você não trabalha porque você tem que ficar com eles. E aí, em uma família pobre, o fato de a mulher não trabalhar aumenta a pobreza.

E podemos afirmar que, para algumas famílias, a aposentadoria e o envelhecimento podem significar também empobrecimento? Há uma queda da renda familiar em função do aumento de custos com medicação, cuidados?

Não existe uma resposta exata porque depende da classe social. Para quem tinha uma renda instável ao longo da vida e se aposenta com um salário mínimo, é lifetime, quer dizer, para o resto da vida, isso é um ganho. Agora, quem tem a camada de renda média alta, tem uma perda, até porque o padrão de gastos é outro. Então, com isso tem realmente um empobrecimento dessa família.

E sobre o etarismo, que é uma questão cultural grave. Como podemos conscientizar a sociedade para uma valorização e um respeito maior ao idoso?

O etarismo é uma questão importante, principalmente para as mulheres, porque nossa sociedade cultua a juventude. A professora Guita Grin Debert, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), fala que no Brasil a juventude deixou de ser uma fase da vida para ser uma meta a ser alcançada, a qualquer preço. Isso penaliza mais as mulheres. Teve uma novela em que a personagem, uma modelo, é entrevistada por um jornalista em seu aniversário de 50 anos. O jornalista pergunta: como você se sente fazendo 50 anos? Aí ela fala: por que você pergunta isso somente para as mulheres, não pergunta para os homens? Essa cena é um exemplo de como a questão da juventude e da beleza é muito mais forte para as mulheres. “Por que você não pinta o cabelo? Por que você não faz um botox?” Você está envelhecendo. É o caminho natural. Melhor envelhecer do que morrer cedo.