“A cabeça pensa onde os pés pisam”. A reflexão de Paulo Freire é um chamado pedagógico a pensarmos a educação a partir da realidade do sujeito. E não se limita à educação, como também diz respeito a uma nova economia. Uma economia pensada a partir dos territórios, dos bairros e das cidades. Uma economia que venha fortalecer as experiências de colaboração, cooperativismo, renda e finanças solidárias a fim de ser para todos. Essa é a proposta da Economia de Francisco e Clara (EFC), que busca discutir um novo modelo econômico que coloque a vida no centro.
Na carta endereçada aos jovens em 2019, o Papa Francisco destacou a urgência de “uma economia diferente, que faz viver e não mata, inclui e não exclui, humaniza e não desumaniza, cuida da criação e não a depreda”. Atendendo ao chamado, em junho deste ano a Reitoria da PUC Minas criou o primeiro Grupo de Reflexão e Trabalho (GRT) para a Economia de Francisco e Clara dentro de uma universidade.
“O grupo vem responder à perspectiva daquilo que é uma das grandes linhas de reflexão do pontificado do Papa Francisco. Ele é criado com esse vínculo importantíssimo com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, que é o coração também da unidade, da comunhão da Igreja no Brasil como um todo e com o compromisso de colocar em pauta essa reflexão que precisa ser feita e articulada com todo o movimento em prol desta nova economia e em diálogo com o que se pensa aqui no Brasil. Com vários movimentos sociais, com economistas, com pessoas que articulam economia solidária, que querem ser assim também uma alternativa à economia que hoje tem a sua maior expressão no programa de uma economia liberal. Então, o grupo traz todo esse horizonte de grandes possibilidades no âmbito da articulação, da reflexão, do trabalho, seja dentro da Universidade, seja no diálogo com a sociedade por meio da Articulação Brasileira pela Economia de Clara e Francisco e também deste serviço à Igreja do Brasil como um todo pela CNBB”, explica o reitor da PUC Minas, professor Dom Joaquim Giovani Mol Guimarães.
O grupo nasce vinculado ao Anima – Sistema Avançado de Formação, Identidade e Missão do Instituto de Filosofia e Teologia da PUC Minas. O Anima é o órgão responsável, na Universidade, por promover aquilo que é próprio da formação humanística cristã, católica, ou seja, é a identidade da Universidade Católica por meio da formação vinculada à missão e à identidade próprias da PUC Minas. “Situado no Anima, o GRT terá também várias faces de interlocução, diálogo e articulação com outros núcleos que trabalham a formação política, cultural, teológica e filosófica sendo, portanto, um lugar de importante presença e também de expressão daquilo que é o diferencial da formação humanística cristã católica da PUC Minas”, afirma o padre Áureo Nogueira de Freitas, coordenador do Anima e membro do GRT.
O grupo é formado por representantes de diversas áreas do conhecimento e é criado com a intenção de que seja também um incentivo e venha a dar respaldo à criação de frentes de trabalho semelhantes em outras universidades. Para o coordenador do GRT, professor Frederico Santana Rick, um grupo com caráter de reflexão e trabalho em uma universidade proporciona uma atuação transversal que pode fomentar Ensino, Pesquisa e Extensão sobre a EFC em muitas áreas de conhecimento. “A diversidade que compõe o GRT, com representantes de diferentes áreas, é muito fértil na medida em que poderemos propor ações que vão intervir em um universo acadêmico muito grande. Isso cria um potencial para o desenvolvimento de pesquisas e ações multidisciplinares”, afirma.
As possibilidades de articulação com outras universidades com o objetivo comum é outro potencial apontado. “Quando há um problema grande a ser resolvido e, nesse caso, uma economia que violenta, degrada e mata, é preciso acionar saberes dos mais diferentes campos. Quando falamos da EFC parece que há uma ênfase muito maior na Economia, mas quando pensamos que queremos colocar o ser humano dentro da economia, vemos que temos que acionar outras áreas, como a Sociologia, a Ciência Política, a Psicologia, a Antropologia, as Ciências Biológicas e Humanas de modo geral. Por tratar-se justamente de fugir de uma economia que é só orientada para o ganho de capital e que não leva em conta o humanismo. A EFC tem um vínculo muito grande com o humanismo. Assim, ela está chamando para o diálogo um conjunto de ciências muito amplo”, destaca Frederico.
Possibilidade de articulação nacional
Além disso, o grupo já nasce com uma possibilidade de atuação nacional, por meio da parceria com a Articulação Brasileira pela Economia de Francisco e Clara (ABEFC). Eduardo Brasileiro, membro do GRT e da coordenação da ABEFC, explica que a Articulação Brasileira está presente em todo o país, reunindo movimentos sociais. “A Articulação assumiu a ação de difundir a discussão do pacto e levar para os territórios, bairros, nas cidades núcleos. Fomos destacando projetos brasileiros históricos, territoriais, que incidem numa economia que faz viver. Então a economia solidária, a economia circular, a agroecologia, os orçamentos participativos e, em especial, a conscientização socioeconômica”.
A EFC vai trazer uma nova vivência para o espaço, um espaço de cooperação, de encontro, de formar novas arquiteturas sociais, ou seja, novas formas de conceber como pode ser a vivência comunitária em um território. E desta forma retomamos a reflexão de Paulo Freire. “A Economia de Francisco e Clara não é trazer coisa nova da cabeça dos outros, mas levar para as comunidades, de uma maneira dialogada, uma forma de pesquisa-ação. Ou seja, onde se ouve o território, onde se percebe o saber construído ali e esse saber vai alimentar a Universidade e o GRT. Isto é, a cabeça pensa onde os pés pisam”, reforça Eduardo.
Foi a equipe da Articulação Brasileira que percebeu a importância de um nome feminino para a nova economia. “A economia capitalista foi construída por homens, é uma economia patriarcal. Clara foi uma companheira de São Francisco de Assis na dissociação do sistema econômico. Juntos pensaram em um novo modo de viver e isso é muito rico, porque mostra que cada comunidade, cada grupo pastoral, universidade pode criar essa dissociação, pode criar uma nova forma de viver economicamente juntos, solidária, sem essa lógica econômica competitiva, acumulativa e consumista”, avalia Eduardo.
O professor Frederico destaca também que o GRT conta com a presença de integrantes que têm vínculo com movimentos populares e com a igreja católica. “É mais um potencial de trabalho na medida em que podemos contar com uma presença forte nas comunidades. Com isso, temos oportunidades de promoção de atividades, ações e iniciativas que irão dialogar com muitas lideranças comunitárias capilarizadas nos municípios. Assim como também a oportunidade de não ficar preso a um certo academicismo, a teorias sem o diálogo com quem está buscando construir essa economia na prática. Esse é um diferencial do grupo criado na PUC Minas em relação a outros grupos”, afirma.
Economia de Francisco e o Pacto Global pela Educação
Para uma nova realidade econômica, é necessário pensar em um novo humanismo, na formação de novas mentalidades e uma nova maneira de compreender o mundo. São três os pilares estabelecidos para o pontificado do Papa Francisco. As três linhas de reflexão, Economia de Francisco, o Sínodo da Amazônia e o Pacto Global pela Educação estão interligadas pelo conceito de Ecologia Integral, que propõe uma nova maneira de entender a relação entre todas as criaturas nas dimensões econômico, social, ambiental e cultural.
O Pacto Global pela Educação, por exemplo, vem cumprir este papel de tornar possível uma formação não apenas racional, mas uma educação integral e global. Que tenha as várias dimensões da vida humana e que gerará consequentemente aquilo que nós chamamos de uma nova economia, uma nova organização das relações entre as pessoas, as culturas, a sociedade, as relações de compra e venda, de lucro.
Para padre Áureo, a Economia de Francisco é uma pauta grandiosa na medida em que se relaciona também com o Sínodo da Amazônia. “são assuntos de muita atualidade que interferem no global da vida humana e também no cotidiano de cada um de nós quando pensamos de modo micro nas relações, nas escolhas e nos valores”, explica. Apesar de estar focado na promoção da Economia de Francisco e Clara, o GRT, contribui, através de suas ações, com as outras duas dimensões. Para Eduardo Brasileiro, o grupo inaugura no meio universitário, no meio educativo, a construção dos parâmetros de fazer e de concretizar a Economia de Francisco e Clara. “É um grupo de referência agora no Brasil porque acaba concretizando já um primeiro passo do Pacto Educativo, que é tocar aquilo que o Papa Francisco chama de Aldeia da Educação”, avalia.
Integrantes do GRT
– coordenador do GRT. Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais e mestrado em ciências sociais pela PUC Minas. É coordenador de políticas sociais do Vicariato Episcopal para Ação Social, Política e Ambiental da Arquidiocese de BH e integra o Núcleo de Estudos Sociopolíticos NESP PUC Minas. Tem experiência na área de Ciência Política, atuando principalmente nos seguintes temas: movimentos sociais, políticas públicas e formação sócio-econômica do Brasil.
Ana Carolina Amaral
– jornalista e bacharel em Direito, atua na área de Comunicação há mais de dez anos. Atualmente coordena a equipe da E-motion Audiovisual, produtora de vídeos da PUC Minas, vinculada à Secretaria de Comunicação.
Armindo dos Santos de Sousa Teodósio
– Professor e líder do Núcleo de Pesquisas em Ética e Gestão Social do Programa de Pós-Graduação em Administração da PUC Minas. Pesquisador das áreas de Gestão Social e Ambiental, Políticas Públicas e Estudos Organizacionais. Doutor em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas, mestre em Ciências Sociais pela PUC Minas e graduado em Ciências Econômicas pela UFMG. Desenvolve seu Pós-Doutoramento no Programa de Ciências Ambientais (PROCAM) do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP).
Padre Áureo Nogueira de Freitas
– coordenador do Anima PUC Minas. Doutorando e mestre em Ciências da Religião pelo Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião da PUC MINAS. Graduado em Filosofia e Teologia pela PUC Minas. Especialista em Ensino Religioso e em Teologia Pastoral pela mesma Instituição.
Emanuelle Araújo da Silveira
– bacharel em Ciências Econômicas pela PUC Minas. Cursa MBA em Agile Project Management pelo IEC PUC Minas. Membro do corpo técnico- administrativo da Pró-reitoria de Extensão da PUC Minas. Conselheira do Conselho Regional de Economia de Minas Gerais.
Leonardo César Souza Ramos
– Possui graduação em Relações Internacionais pela PUC Minas, mestrado e doutorado em Relações Internacionais pela PUC Rio. Atualmente, é professor do Departamento de Relações Internacionais da PUC Minas, professor visitante da Universidad Nacional de Rosario (UNR) e pesquisador associado ao Instituto de Estudos da Ásia, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Marina de Paula Oliveira
– Mestranda do Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais da PUC Minas. Atua, pela Arquidiocese de Belo Horizonte, como coordenadora de projetos para as comunidades atingidas pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho.
Michelle Marie Stammet
– Jornalista com mais de 20 anos de experiência na área de Comunicação Empresarial. Atua na Assessoria de Imprensa da Secretaria de Comunicação.
Ramon Jung Ferreira
– Ramon Jung Pereira é Mestre em Administração pela PUC Minas. Suas pesquisas abordam a inovação e tecnologia social, desenvolvimento sustentável, ecologia de saberes e ensino. Possui experiência profissional que abrange os campos da gestão, ensino, pesquisa, inovação e projetos. Atualmente é professor da pós-graduação da PUC Minas, pesquisador associado do Núcleo de Pesquisas em Ética e Gestão Social (NUPEGS), consultor e educador social.
Robson Sávio Reis Souza
– Doutor em Ciências Sociais pela PUC Minas), pós-doutor em Direitos Humanos pela Universidade de Salamanca; mestre em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro; licenciado em Filosofia (PUC Minas); especialista em Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp/UFMG) e especialista em Teoria e Prática da Comunicação (Universidade São Francisco – SP). Professor adjunto da PUC Minas, pertencente ao Departamento de Ciências da Religião. Pesquisador e coordenador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas (Nesp).
Wanda Cristina Rocha Wenceslau
– É chefe do Departamento de Administração e coordenadora do Curso de Administração do Campus Coração Eucarístico. Mestre em Administração. Atua no fomento de estudos, capacitações e discussões sobre a inserção dos princípios da EFC nas grades curriculares dos cursos de graduação da PUC Minas e de outras instituições de ensino superior.